
STUMP ANÁLISE – 22 DE AGOSTO DE 2022
ADRIANO BARCELOS
No passado, se dizia que a campanha política só engrenava de fato quando os candidatos a presidente da República apareciam na telinha da TV: eram tempos em que o televisor em meio à sala hipnotizava as famílias, uma era em que não havia lar brasileiro que não se rendesse ao trinômio de todas as noites – “novela das sete, Jornal Nacional, novela das oito”. Eram tempos também em que a cara dos políticos invadia as grades de programações, “de manhã, à tarde e à noite”. O tempo passou e o hábito de consumir televisão se modificou.
Em um ato disruptivo, muitos dos jovens já não mais aceitam o pacote pronto das emissoras de TV: programas em ordens pré-definidas, com brakes comerciais frequentes e inescapáveis, nada disso sugere entretenimento. Os candidatos já não contam mais com a audiência da televisão como “o” impulso de campanha. Redes sociais, guerrilhas digitais e mobilização no espaço virtual têm mais identificação com o jeito de fazer campanha no século 21. Lembram do trinômio novela-JN-novela? Pois é. Ao contrário de nossos tios, tias e avós, quase nenhuma viva alma é capaz de dizer “que novelas estão passando”.
O que restou, impávido, é o hábito de “ver o Jornal Nacional”. Talvez como um último suspiro dos tempos glórios da TV aberta, o noticioso da Globo que vai ao ar geralmente às 20h30 ainda é um espaço de respeitável audiência. A partir desta segunda e ao longo da semana, William Bonner e Renata Vasconcelos serão cicerones do provável ecônomo das emas do Palácio do Alvorada em janeiro de 2o23.
Tradição deste século, o JN temático de entrevista aos candidatos é visto com preocupação pelas campanhas. Se dar bem, se dar bem, pode-se dizer que ninguém jamais se deu nessas entrevistas. Ver temas engruvinhados da vida pregressa de cada um jorrarem na tela das TVs do país, sem qualquer defesa prévia possível, é um tormento mesmo para os políticos mais experientes. Vê-se que, de canto de boca, muitos marqueteiros (se pudessem) gostariam de não participar. Na verdade, para os candidatos principais, “sobreviver” à dupla do JN já é vitória. A ratoeira é pesada mas o queijo é grande: pelo sim, pelo não, a audiência relativa do telejornal é maior do que a de todos programas eleitorais somados.
Como é tradição no Stump Análise, sem mais delongas, vamos fazer nossa projeção de como irão cada um dos quatro participantes.
A PREVISÃO STUMP É: LULA SEM NOVIDADES, BOLSONARO DESCONFORTÁVEL, CIRO EM REPRISE E SIMONE TEBET CONTRA A INDIFERENÇA
O ex-presidente Lula, por ser o primeiro nas pesquisas, é quem mais tem a perder. Político experiente ao extremo, tem como trunfo o fato de que não parece haver pergunta cabeluda sobre as acusações de corrupção contra ele e seu partido que já não tenha sido feita. Ele vem dando entrevistas a diversos veículos, inclusive do grupo Globo, ao longo do último ano e meio. Para quem não tem visto Lula recentemente, a calma tem sido a tônica. O JN não será propositivo, afinal nunca foi esse o propósito da sabatina de Bonner e Renata. Entre as perguntas incômodas, talvez até surja uma janela de oportunidade para ele dar sua versão própria da anulação dos processos contra ele nos julgamentos do juiz Sérgio Moro. Para quem foi pauta negativa por pelo menos 4 anos, não há por onde não sair melhor que entrou – ao menos nesse assunto.
O presidente Jair Bolsonaro é o entrevistado mais imprevisível de todos. Embora sua assessoria tenha confirmado presença no JN, não se descarte a hipótese de ele não ir. Se for, não se afaste a possibilidade de destempero. Se houver contenda, não se estranhe que o candidato levante e saia andando em meio à entrevista. Importante lembrar que destratar a Globo faz parte do patrimônio político de Bolsonaro. Em 2018, com outsider antissistema, Bolsonaro fez apoiadores urrarem ao recitar o editorial da Globo em favor do golpe militar de 1964. O país, porém, era outro. Não em 64, mas em 2018: o Bolsonaro de 22 carrega as chagas de 3 anos e meio de gestão, com todas as agruras que governos da vez costumam enfrentar: suspeitas de corrupção, arranjos políticos questionáveis, resultados econômicos duvidosos. Seria melhor Bolsonaro aparecer por pelo menos três razões. Uma, que ele é o primeiro entrevistado, já na segunda-feira. Outra, que desta vez ele é vidraça. Se não for defender seu governo, apanhará dos outros três. A terceira, que ele está mais de 10 pontos atrás de Lula nas principais pesquisas. Embora improvável (para todos), uma vitória no JN pode ser o fato novo que a campanha do presidente precisa para pavimentar a virada.
Ciro Gomes é bom de briga, isso todo mundo sabe. O que o momento exige dele, contudo, talvez não seja briga. E aí reside o problema do político cearense. Dono de retórica contundente e proprietário de um projeto de país maduro – embora contestável –, Ciro tem de explicar ideias relativamente complexas de uma maneira simples. Como ser professoral sem soar arrogante? Um Ciro contido, harmonioso e calmo não é o que espera seu grupo de apoiadores, que ele mesmo apelidou de “turma boa”. Ele não vai frustrar a turma boa, mas também não deve sair do JN com os dois dígitos da preferência que outrora teve. Todos conhecem Ciro e já não há mais coelhos na cartola. Se ele inovar, soará falso. Se reiterar o que sempre fez, não sairá do lugar. Apostamos que será o Ciro de sempre.
Simone Tebet é a franco-atiradora da vez. A sobrevivente da terceira via – ou da tentativa de estabelecer uma terceira via. Terá de explicar a falta de ânimo de seu próprio partido com a candidatura, mas é de longe aquela que o eleitorado (e o espectador) menos conhecem. O caso é que a praça não está muito sensível a novidades. Simone está estacionada em um patamar baixo nas pesquisas, o número de indecisos a conquistar é relativamente pequeno e ela ainda convive com temores de que seu palanque chegará fragilizado demais em 2 de outubro. Isso significa que um grande desempenho no JN pode melhorar as coisas, o que não representaria um avanço muito notável. Simone corre o risco da entrevista que, no jargão jornalístico, se chama “café com leite”: protocolar. Quando falávamos da ratoeira e do queijo, alguns parágrafos acima, talvez devêssemos repensar o que se refere à senadora sul-matrogrossense – a audiência tende a ser relativamente menor que a dos demais e, ainda que escape da ratoeira, o queijo pode não ser de um tamanho suficiente para saciar o mínimo apetite.
Veja aqui o cronograma das entrevistas dos candidatos ao JN
22/08 Jair Bolsonaro
23/08 Ciro Gomes
25/08 Lula
26/08 Simone Tebet
O Stump Análise é um instrumento técnico cujo objetivo é projetar, antecipar e prever o que acontecerá, de acordo com convicções resultantes de nossa expertise. Analisamos temas da Agenda Nacional e não necessariamente nossas predições representam o que gostaríamos que acontecesse e tampouco torcemos para que o projeto político de A ou B prospere ou fracasse. Não julgue nossas previsões sob qualquer prisma político – mas fique à vontade para nos cobrar se não estiverem corretas.