
STUMP ANÁLISE – 12 DE SETEMBRO DE 2022
ADRIANO BARCELOS
Ciro Gomes (PDT) é uma alternativa de “terceira via” pela esquerda, com propostas antiliberais e que congrega dois grupos de eleitores: petistas desiludidos pós-mensalão e os órfãos de Leonel Brizola, tanto pela coragem em defrontar a Direita, os militares, e a elite, quanto pela defesa das pautas relativas à educação. Correto? Não. Errado. Esse era outro Ciro. E se você pensa assim, você também perdeu o fio da meada.
Esse erro de cálculo é parte da solução que pode dar uma sobrevida ao presidente Jair Bolsonaro (PL) em um eventual segundo turno. O PT conta com votos que não terá. No debate da TV Bandeirantes ficou evidente que, pasmem, Ciro é o candidato disposto a ajudar o presidente. Talvez o próprio Bolsonaro tenha se surpreendido: ao fim do debate, Ciro foi o único a quem ele endereçou um aperto de mãos.
Na semana que passou, a pesquisa Ipespe trouxe um dado pitoresco: uma pergunta muito inteligente, excelentemente formulada, cruzou o posicionamento ideológico dos eleitores de cada candidato. Os de Ciro são: 20% eleitores de esquerda; 14% se disseram de centro; 28% não sabem responder e estarrecedores 38% se disseram de direita ou de centro-direita.
Até então, era possível atribuir o ódio de Ciro contra Lula à mágoa do pedetista pela falta de apoio do PT a ele em alguns momentos-chave da última década. A pedrada veio quando, no debate, Lula usou pela milésima vez o argumento de que Ciro “foi pra Paris” no segundo turno de 2018 e ele respondeu, secamente, que pôde ir para Paris porque não estava preso. Mesmo sabendo que a prisão de Lula foi considerada ilegal pelo STF e que o PDT enquanto partido reconhece isso, o pedetista foi adiante e bateu abaixo da linha da cintura.
Mas por que o Ciro de 2022 faz o que está fazendo? Porque ele sabe que a turma dele mudou. O tempo registrará que o ato de profissão de fé do PDT em favor dele, na prática, foi uma conversão pedetista à indesejável posição de legenda de aluguel. Ninguém diz a Ciro o que fazer, mas essa autenticidade (que tem um lado saudável) tem também o condão de deixar o PDT nas cordas. Ele recebeu um cheque em branco dos trabalhistas e não tem nenhum receio de usá-lo.
MOVIMENTO DE CIRO SERÁ INÓCUO PARA ELE, MAS DEVERÁ GARANTIR BOLSONARO NO SEGUNDO TURNO
A candidatura de Lula magnetiza as esquerdas. O PT é o maior partido de esquerda da América Latina e Lula, o maior líder político desse campo no continente. Se Ciro se fixasse na esquerda, teria uma margem muito estreita para se movimentar, nas franjas do eleitorado de Lula. A jogada de um Ciro mais à direita será inócua, mas não deixa de ser inteligente. Antes, precisamos contar uma pequena historinha.
Como Ciro aproveitou o período entre 2018 e 2022? Ele escreveu um livro intitulado Projeto Nacional: Dever da Esperança. Desse ponto em diante, ele fez desse livro a sua Bíblia. Arrumou seus apóstolos, manteve-os por perto, e foi à luta. Ao grupo de apoiadores ferrenhos traçou a alcunha: “A Turma Boa”. A Turma Boa está aí, trollando adversários, desmerecendo concorrentes, apresentando o livro de Ciro como verdade revelada – a palavra da salvação. Antes que me perguntem, o livro não tem nada demais: mostra um Ciro com um pé no keynesianismo e uma série de compromissos políticos que dependem de uma certa boa vontade que seria plausível no parlamento da Noruega, mas que fatalmente não viria do plenário Ulysses Guimarães.
Foi quando 2022 chegou, com Lula no páreo, que Ciro percebeu que a terceira via pela esquerda não rolaria: a saída foi encarnar o tecnocrata “que tem uma ideia”, até para se diferenciar (mas não muito) do presidente Jair Bolsonaro, um político de ideias, gestual e discurso de pouca sofisticação.
O mais estranho é que o PDT não “se ligou” na Turma Boa e nem em sua conversão. A Turma Boa de 2018 era formada em sua maioria por esquerdistas, muitos que estavam com vergonha do arranjo de gosto duvidoso de Lula e do PT, com o ex-presidente preso e candidato e Fernando Haddad aquecendo no túnel de acesso ao gramado. Naquela época, a inocência de Lula não era favas contadas e um certo cheiro de “armação” pairava no ar. O final, todo mundo sabe: Ciro ficou fora do segundo turno, foi para Europa, e na volta reverberou a máxima da direita e que já virou até piada: “A culpa é do PT”.
Fato é que as notinhas em colunas dos grandes jornais gritam que pedetistas estão em pânico. Cristóvam Buarque, que concorreu a presidente pelo PDT em 2006, chegou a dizer que Ciro deveria desistir de sua candidatura para evitar a reeleição de Bolsonaro. O presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, é amigo pessoal de Lula, já foi ministro do Trabalho dele e, ao que se diz, esteve muito perto de tirar o PDT da eleição para apoiar o petista. Com a palavra empenhada a Ciro, segurou a candidatura pouco promissora. O movimento, porém, não incluía dinamitar as pontes com Lula. Em Brasília, dizia-se até mais: mesmo com Ciro candidato, o PDT deverá ter um ministério em um eventual governo do PT em 2023.
GRANDE PERDEDOR DO MOVIMENTO DE CIRO SERÁ O PDT QUE, AO DAR CARTA BRANCA A ELE, APROFUNDARÁ CRISE DE IDENTIDADE PÓS-BRIZOLA
O susto dos caciques, crescente, não é fruto do acaso. Onde se esperava uma relação cordial do PDT com o PT, até um compadrio em alguns lances do debate, se vê um Ciro agressivo – a ponto de, em uma tirada repleta de etarismo e certa falta de respeito em nível pessoal, ele insinuar que Lula está velho demais para ser presidente. Logo Lula, que sempre disse que gosta de Ciro e tem respeito pelo PDT. Até Leonel Brizola, que em 1989 chamava Lula de “sapo barbudo”, fez sua última campanha como vice dele, em 1998. Ao que consta, as rusgas que ambos tiveram anteriormente não foram para o túmulo do caudilho gaúcho, morto em 2004.
O resultado desse estado de coisas começa a desabrochar em números. Na última pesquisa Datafolha, publicada na sexta-feira, Lula ficou estável e Bolsonaro cresceu dois pontos. Os mesmos dois pontos abandonaram Ciro, de uma pesquisa para outra. Se alguém fazia a conta do voto útil, imaginando que o pedetista poderia dar a Lula os votos de que precisa para se eleger em primeiro turno, pode cair do cavalo. Antes o contrário: o eleitor de Ciro tende a seguir migrando para Bolsonaro, garantindo o presidente no segundo turno.
À boca pequena, o PDT já falou em estrangular o financiamento de campanha de Ciro e em “enquadrá-lo” na esperança de que ele foque em Bolsonaro nos próximos debates e devolva o partido ao seu histórico de esquerda. Nada disso vai acontecer e ele seguirá dialogando com a Turma Boa.
Afinal, só ele sabe que a Turma Boa agora é outra.
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