Bolsonaristas acreditam que Congresso que sairá das urnas será “mais à Direita”. Talvez eles tenham razão

FOTO PP/DIVULGAÇÃO

STUMP ANÁLISE

ADRIANO BARCELOS

O governo de Jair Bolsonaro está marcado pelo fortalecimento inédito do Congresso Nacional. E isso é resultado da maneira como o presidente se movimenta politicamente. Em vez de ir para o debate no Legislativo, o governo se cercou de líderes e ministros palacianos pouco gabaritados na condução política. Por aí, entenda-se militares e parlamentares de primeiro mandato. A coalizão de Bolsonaro se dá pela via orçamentária e assim o governo construiu sua maioria, ponto. Goste-se ou não. 

Foi resultado de uma experiência de “tentativa e erro”, que começou pelo erro. Em 2019, sob o rótulo de “nova política”, o Planalto chegou a reverberar que “ignoraria os partidos” e faria maioria com as bancadas temáticas de Direita na Câmara, da Bíblia, da Bala, ruralistas e etc. O problema é que “os temáticos” não são um bloco monolítico e, no entrelaçamento de interesses, notou-se que fica impraticável avançar qualquer pauta a partir de afinidades de ocasião. 

A nova política do primeiro ano de Bolsonaro era, no fundo, uma política de novatos. Planos revistos, ortodoxia no poder: era preciso atrair as siglas do Centro. Com o tempo perdido, a via expressa era terceirizar parte considerável do orçamento, o que teria como efeito colateral enfraquecer o Executivo. Foi o que se fez, não sem consequências em 2023, seja Bolsonaro, Lula, Ciro Gomes, Simone Tebet ou o Constituinte Eymael o próximo presidente. 

O ministro-chefe da Casa Civil e ex-dilmista senador Ciro Nogueira (PP-PI), espécie de porta-voz eleitoral do Planalto para assuntos da campanha de Bolsonaro, fez uma projeção arrojada: “o Congresso que virá será ainda mais à Direita do que o que temos hoje”.

Dizer isso na perspectiva de eleição de um presidente da República de Esquerda, sabendo-se desde sempre do magnetismo da disputa presidencial, seria uma temeridade. Mas por quê, mesmo que Lula vença, Ciro Nogueira pode estar certo?

DIREITA PARECE TER SE PREPARADO MELHOR PARA A BATALHA PELO CONTROLE DO PARLAMENTO

As razões viriam de todos os lados, da competência eleitoral da Direita à incompetência eleitoral da Esquerda. A Direita alcançou um nível de penetração social inédito na Nova República, e isso fica evidenciado na expressão das manifestações/comemorações do bicentenário da Independência. O discurso simpático à Direita está hoje presente em cada Templo Evangélico, em cada pregador que leva a palavra de Cristo de portão em portão das periferias do Brasil. E nem é só isso.

Do ponto de vista da comunicação social, o governo Bolsonaro é um sucesso pela singeleza: é feito de mensagens simples, com personagens de fácil compreensão (o astronauta Pontes, a Damares, o policial injustiçado, o militar da logística e etc). Esse conjunto circula rápido pelas redes e garante a unidade de discurso, importantíssima nos dias atuais.

E a Esquerda com isso? Boa parte da Esquerda se “sofisticou” neste século, durante os governos Lula e Dilma Rousseff. A ideia de “trabalhar as bases”, de “conscientizar o cidadão” e de que os partidos de Esquerda, em especial o Partido dos Trabalhadores, são e sempre serão oriundos das camadas populares, se enfraqueceu tanto na prática quanto no discurso.

Desde que a Teologia da Libertação foi sufocada na Igreja Católica, ainda na década de 90, o único contato direto da Esquerda com a população mais humilde era pela via sindical – até que a reforma trabalhista do governo Michel Temer asfixiou os sindicatos ao desobrigar o pagamento da contribuição sindical. De 2017 para cá, o valor arrecadado pelos sindicatos caiu inacreditáveis 97,5%. Os sindicalistas desapareceram e a vontade de gastar os chinelos nas vilas, idem. 

Além disso, o mercado de trabalho mudou e a Esquerda não viu. A carteira assinada, por escassa, deixou de ser sonho de consumo. Veio no lugar o “empreendedorismo”, a “pejotização” e a ideia de que patrões e empregados podem chegar a um acordo capaz de fazer todo mundo feliz. Para este mundo, faça sentido ou não, a Esquerda não se preparou, não tem discurso e nem compreensão. 

A aposta de Ciro Nogueira pode estar correta por outros motivos mais: os partidos da Direita montaram nominatas mais competitivas na maioria dos Estados. Grandes puxadores de votos, fenômenos populares e novatos promissores, capazes de “furar a bolha”, parecem ter vida mais fácil na Direita. 

À Esquerda, até por certa acomodação interna e deputados já no cargo que preferem proteger seus redutos em vez de ampliar a bancada, haverá menos novidades na urna. Ilustrativo é o caso do jornalista Marcos Uchôa, ex-TV Globo.  Ele concorreria a deputado federal pelo PSB do Rio de Janeiro mas desistiu porque o recurso prometido para sua campanha não apareceu. Se não houve cuidado com ele, o que se dirá de outros: com Freixo fora da disputa e os mesmos nomes de sempre, é bem provável que o mais votado no Rio seja um candidato de Direita. Em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, a expectativa não é diferente.

APOSTAMOS QUE EFEITO LULA FARÁ O PT CRESCER NA CÂMARA, MAS BOLSONARISMO DEVERÁ MANTER SEU PESO

Então, que Congresso sairá das urnas em outubro? Nossa aposta é de que, a se confirmar a onda Lula, o PT sairá maior que em 2018, mas não chegará a 90 deputados (hoje tem 56); O PL de Bolsonaro não deverá oscilar muito (hoje tem 77 deputados). Partidos de Esquerda e centro-esquerda, excluído o PT, deverão crescer pouco; Partidos de Direita e centro-direita, excluído o PL de Bolsonaro, deverão diminuir um pouco; e o Centrão propriamente dito deverá inchar com mais voracidade. 

Pesquisa Datafolha da última semana indica que apenas 31% dos eleitores já têm candidato para deputado federal. Muitos decidem na última semana. Muitos no último dia. Muitos na última hora. É por isso que cabos eleitorais jogam santinhos ao chão, no dia da votação. Eleitores definem o voto basicamente catando o papel sobre o solo. Os cabos eleitorais fazem assim desde sempre porque (inacreditavelmente) compensa, ainda que seja crime eleitoral. 

E a aposta dos bolsonaristas? Como ficará? A profecia de Ciro Nogueira, turbinada pelo poder da máquina pública e em certa coesão do eleitorado do presidente da República, tem um aspecto curioso: ao dizer que o Congresso eleito em 2022 será mais à Direita, ele contabiliza os eleitos pelo Centro? Bem se sabe que o Centro que é Direita hoje já foi Esquerda ontem – o próprio Chefe da Casa Civil que o diga. Em 2014, diante da vitória de Dilma, Ciro Nogueira escrevia o seguinte em seu Twitter:

“Hoje, as urnas retrataram definitivamente a vontade do povo brasileiro de continuar crescendo. O Piauí e o Brasil disseram sim ao desenvolvimento social e econômico, disseram sim a Dilma Rousseff. E nós queremos celebrar esta vitória, que pertence a todos aqueles que não se calam diante das injustiças e que arregaçam as mangas para ir à luta por um País melhor”. 

O Stump Análise é um instrumento técnico cujo objetivo é projetar, antecipar e prever o que acontecerá, de acordo com convicções resultantes de nossa expertise. Analisamos temas da Agenda Nacional e não necessariamente nossas predições representam o que gostaríamos que acontecesse e tampouco torcemos para que o projeto político de A ou B prospere ou fracasse. Não julgue nossas previsões sob qualquer prisma político – mas fique à vontade para nos cobrar se não estiverem corretas

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