
STUMP COMUNICA
ADRIANO BARCELOS
Quando a apuração acabou, na noite de 2 de outubro, Lula vivia ali seu pior momento de campanha: a militância havia reservado a avenida Paulista, no centro de São Paulo, para a festa que não veio. Pior que isso, o presidente Bolsonaro, ameaçador, aparecia apenas 6 milhões de votos atrás – arrancada não identificada por nenhuma pesquisa eleitoral. Na Globo News, articulistas atônitos viam como natural que as primeiras pesquisas do segundo já trouxessem Bolsonaro na dianteira na semana seguinte.
O raciocínio, silencioso, era lógico: quem trabalha com marketing político sabe que uma eleição é feita de “ondas”, ou de tendências, para ficar na técnica: na maioria dos casos, o rumo de uma campanha é quase palpável, se solidifica no ar. Quem sabe ler pesquisas, por questionáveis que sejam, aprende que toda pesquisa é uma foto de 4 dias atrás – mas entende também que um conjunto sólido de sondagens é um delineador de tendências futuras.
ATÉ O PRIMEIRO TURNO, ESQUERDA NÃO HAVIA SE CONVENCIDO DE QUE BOLSONARO TINHA BASE POPULAR. ELE TEM. E NÃO É PEQUENA.
Voltando a Bolsonaro, tudo indicava que o presidente se consolidaria como competitivo para o segundo turno de uma forma que nunca fora desde o princípio. As razões eram múltiplas, mas passavam principalmente pelo reconhecimento de que suas bases populares são mais sólidas do que se imaginava.
O 2 de outubro também deixou evidente que os bolsonaristas não estavam tão isolados quanto se supunha e que o indicativo de rejeição a Bolsonaro trazido pelas pesquisas ao longo do tempo não era real.
Pois bem, se o presidente esteve pressionado durante toda a campanha e parecia ter chegado ao momento crucial (1º turno) na posição mais confortável que poderia ocupar, era de se esperar que ele passasse a reger sua orquestra de camisas da Seleção e, enrolado na bandeira nacional, fosse construir o favoritismo diante de um adversário privado de quase tudo – de cargos, de palanques fortes, de apoio do capital financeiro e, mais que tudo, da caneta que benesses distribui e que humores (maus) administra.
Mas falamos de Bolsonaro e uma coisa sobre Bolsonaro que todos no seu entorno atestam é que o presidente se movimenta com mais confiança no caos. Administrar uma situação tranquila por quatro semanas, até o segundo turno, seria simples para a maioria das pessoas – mas um inferno para o capitão. Há ainda uma segunda idiossincrasia bolsonariana que salta aos olhos: ele sempre se considera pressionado e, se não está na mira de alguém, age como se estivesse. Pois bem, o adversário está longe de ser desprezível: o PT venceu quatro eleições presidenciais neste século e perdeu apenas uma. Logicamente, haveria reação. E houve.
APOSTA STUMP: DESCONSTRUÇÃO DE BOLSONARO RETIRA ÍMPETO E PODE AMPLIAR REJEIÇÃO
O PT no segundo turno tirou as luvas de pelica e desceu ao ringue (de sabão): aderiu à desconstrução de Bolsonaro, coisa que não havia feito até então; e, mais surpreendente, entrou em um terreno que desde a fundação, há 40 anos, o partido não trilha, o da “guerra santa”.
A primeira parte, a da desconstrução, era bastante previsível. Com a lógica das “bolhas”, favorecidas pelos algoritmos das redes sociais, entusiastas de cada um dos candidatos recebem apenas as informações que reforçam as convicções que já possuem. Já o grupo que não discute política, ou que não se empolgou com nenhum dos dois candidatos, não é atingido por uma série de conteúdos. A chance de furar a bolha são os latifúndios de TV que Lula e Bolsonaro receberam no horário eleitoral e nas inserções na programação. Transmitida a mensagem, resta o trabalho de reembalar o conteúdo para as redes e ampliar a parafernália eleitoral – tarefa que o PT deixou por conta do deputado federal reeleito André Janones.
A primeira ação de desconstrução foi resgatar um vídeo de Bolsonaro em uma Loja Maçônica – um vídeo trivial para muita gente, mas devastador para o público evangélico. O vídeo viralizou e o PT, finalmente, compreendeu que religião é sim uma pauta política relevante. Já não bastava defender a liberdade religiosa, era preciso agir para que o núcleo duro de fiéis devotos e pastores deixasse de ser um bloco monolítico em torno da candidatura de Bolsonaro. Apoiadores do presidente bradavam que o PT no poder fecharia igrejas, coisa que absolutamente não fez em 3 mandatos e meio no Planalto. A coesão deles, se não fosse quebrada, poderia gerar um movimento pela reeleição quase irresistível.
Lula entendeu, foi além, e trabalhou pela elaboração de uma carta aos evangélicos. A cartada, inédita, gerou um contexto que levou Bolsonaro a cometer erros em profusão. Os erros iniciais produziram outros, em uma espiral da Guerra Santa que desestabilizou Bolsonaro. Ele foi questionado em uma semana de um jeito que não fora em quase 4 anos: o presidente estava confortável como supercristão, o candidato que é evangélico e católico ao mesmo tempo. As autoridades católicas que cruzaram seu caminho trataram de tirá-lo do pedestal. O vídeo inexplicado e inexplicável sobre as meninas venezuelanas, mesmo que tenha sido removido da campanha de Lula por decisão (vejam só) de Alexandre de Moraes, fez um rasgo no casco do navio do presidente da República.
Bolsonaro, como que procurando por encrenca, derrapou em duas das mais importantes festas católicas do país num intervalo de três dias: foi acusado de oportunismo no Círio de Nazaré, em Belém (PA), e criticado duramente na Festa de Nossa Senhora de Aparecida, a padroeira do Brasil, em Aparecida (SP). No segundo evento, a situação foi ainda pior porque seus apoiadores, bebendo e aos gritos, hostilizaram clérigos, jornalistas e todos que julgassem não apoiar o presidente. Lula, dias antes, dissera que não iria aos dois eventos para não parecer que exploraria a fé alheia. Bingo. Jogou parado e viu de camarote o rival queimar nas labaredas da opinião pública.
A estratégia do PT era tirar Lula do debate rasteiro. No ringue das pesquisas, o Datafolha da semana que passou indica que Bolsonaro teria 51% de rejeição e Lula, 46%. Associar Lula à desconstrução de Bolsonaro poderia desequilibrar essa balança a favor do presidente. No debate da Bandeirantes, o primeiro do segundo turno, Lula passou ao largo das polêmicas da campanha eletrônica – satanismo, maçonaria, canibalismo e etc. Ironicamente, o único que tratou desses assuntos foi o próprio Bolsonaro que resolveu enaltecer (!!!) a decisão favorável a ele, pela exclusão do conteúdo relativo ao suposto caso de pedofilia, propalada por Moraes no TSE.
A essa altura da disputa, difícil imaginar que haverá uma mudança profunda na cabeça do eleitorado. Quem votou em Bolsonaro não trocará para Lula, nem o contrário. Há um filão de votos ligados a Simone Tebet e Ciro Gomes, há também o contingente de eleitores que disseram anular ou votar em branco. Há, por último, o grupo de pessoas pré-dispostas à abstenção. Esses são os votos em disputa, que serão assediados nas próximas duas semanas.
A desconstrução de Bolsonaro, a essa altura da campanha, pode enfraquecer a vontade de votar, ampliar abstenções e etc. Mas a imagem do presidente junto a seus eleitores convictos é bastante sólida e não deverá mudar consideravelmente.
Se a eleição fosse vista como um jogo de futebol, poderia se dizer que Lula saiu do primeiro tempo (turno) ganhando de 1 x 0; Na volta do intervalo, a expectativa era de pressão de Bolsonaro e de seu time, mas Lula catimba, afasta a bola como pode. O jogo parece administrado, mas nada impede um gol de empate ou até uma virada nos 5 minutos finais. Ainda tem os acréscimos do juiz.
Haja coração.
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