
ADRIANO BARCELOS
Este analista jamais acreditou que o presidente Lula teria problemas em construir sua maioria no Congresso Nacional. O “Congresso mudou”, diziam; “o Congresso está mais conservador”, insistiam. Mas, na prática, contabilizados os números e a distribuição das cadeiras entre os partidos, se via uma conformação numericamente não muito distante das médias históricas. É mais do mesmo.
E, afinal, que Congresso era esse? A direita está mais inflamada. O radicalismo é muito bom para engajar e os recortes de vídeos estão aí para isso. Redes sociais precisam ser alimentadas. A esquerda está onde sempre esteve, sem usufruir da grande votação de Lula, mas presente e combativa.
O que define as coisas no plenário, porém, é e sempre será uma certa massa ideologicamente amorfa, chamada Centrão. O Centrão às vezes tem 250 deputados, às vezes tem 300. Às vezes tem mais, às vezes tem menos.
CENTRÃO DETESTA SER OPOSIÇÃO. E COM RAZÃO
O Centrão jamais foi hostil a Lula. Até porque o Centrão, para ser Centrão, precisa ser governista. Necessariamente. As poucas experiências do “Centrão de Oposição” foram trágicas para o país – mas mais trágicas ainda para o próprio Centrão.
Vamos pegar a experiência mais recente, quando Eduardo Cunha levou o Centrão para a oposição a Dilma e trabalhou pelo impeachment. Dilma perdeu a cadeira, mas Cunha acabou preso e os articuladores do afastamento se involucraram no governo Michel Temer. Consequência: foram severamente punidos pelas urnas em 2018. O MDB, identificado como o patrocinador da ruptura, viu sua bancada encolher e nomes como Romero Jucá, Eliseu Padilha, Osmar Terra e Darcísio Perondi ou perderem seus mandatos ou minguaram suas votações.
O CENTRÃO É VENAL? NO BRASIL TALVEZ NÃO HAJA COMO SER DIFERENTE
O Centrão ronca grosso, é da natureza. O Centrão quer nacos (fatias cada vez maiores) do poder, e isso é perfeitamente do jogo. Nos rincões do Brasil profundo, muitas vezes o parlamentar não é avaliado pela beleza de seus votos ou de seus relatórios na Comissão de Assuntos Públicos – mas sim pela sua capacidade de carrear recursos e obras para suas bases. Goste-se. Não goste-se. O Brasil é assim, a nossa democracia foi construída sobre esses pilares e essa é uma discussão deliciosa, mas que vai ficar para outra hora.
A métrica de valoração do Centrão é bastante curiosa: governo ruim, o apoio custa mais caro. Governo ruim e mal avaliado, o apoio custa ainda mais. Governo regular, um pouco menos; governo bom, custa bem menos. Os primeiros seis meses de Lula foram conturbados porque a calibragem dessa valoração estava complicada. Em 100%, a Faria Lima dizia que o governo iria afundar na economia (não é hipérbole, é pesquisa de opinião); nos primeiros oito dias de mandato, Lula lidou com uma tentativa de golpe de Estado, e, por fim, a relação do agronegócio dono do PIB com o governo só piorava. As cabeças brancas do Centrão, então, se perguntavam: quanto, afinal, vale esse governo?
A primeira fase da busca pela resposta veio pela seleção natural. O Centrão não gostava de Alexandre Padilha mas, mais que isso, o Centrão queria Lula à mesa. Não queria intermediário. Lula veio. Arthur Lira, o presidente da Câmara, queria alguma entrega para coroar sua presidência. A reforma tributária era um texto maduro e cansativamente discutido no Congresso por décadas e estava apenas à espera de um patrocinador que pagasse as emendas e desse o impulso final. Lula topou. As boas notícias começaram a aparecer e a impressão de que o governo Lula flopparia foi-se dissipando: a precificação ficou mais clara e o Centrão passou a considerar a sociedade com o governo em termos reais, como sempre sonhou desde o início.
LULA NÃO É UM ESTADISTA. E ISSO NÃO NECESSARIAMENTE É RUIM
Lula não é um estadista. Nunca será. Lula é um político pragmático e que tem metas bastante claras em sua cabeça. Ele quer que as pessoas possam comer. Ele quer que a dona de casa tenha uma geladeira. Ele quer que os filhos da periferia possam cursar uma universidade. Boa parte da classe média, inclusive a progressista, torce o nariz. Acha pueril. “Quem quer uma geladeira, que compre”, pensa a jovem de camiseta da UERJ dentro de seu apartamento na Tijuca, a Maria Antonieta do DCE. Mas não é nada disso. A geladeira da senhora da Pavuna é muito mais relevante para o país que a Marcha da Maconha ou os bambolês cintilantes da Praça São Salvador. Essa é outra discussão que vai ficar para depois.
Lula não tem uma visão de Brasil para 2070. Se tem, não faz a menor ideia de como alcançá-la. Ele quer que as soluções se desenhem como que por revelação. Ele parece acreditar que, com condições adequadas de temperatura e pressão, todos vão encontrar seu caminho por conta própria. Talvez seja uma versão própria de meritocracia e é natural que assim seja, pra quem veio do Nordeste em caminhão pau de arara, se tornou torneiro-mecânico e acabou presidente do Brasil, realmente nada parece impossível. Como planejamento, por vocação, não é o nosso forte, talvez até ele esteja certo. E nós errados.
O fato é que “Lula ser como é” casa perfeitamente com as características do Centrão. Ambos são pragmáticos e o pragmatismo pode ser algo extremamente positivo. Em um país onde tudo urge, saber o que se quer é largar sempre na frente.
* O Stump Análise é um instrumento técnico cujo objetivo é projetar, antecipar e prever o que acontecerá, de acordo com convicções resultantes de nossa expertise. Analisamos temas da Agenda Nacional e não necessariamente nossas predições representam o que gostaríamos que acontecesse e tampouco torcemos para que o projeto político de A ou B prospere ou fracasse. Não julgue nossas previsões sob qualquer prisma político – mas fique à vontade para nos cobrar se não estiverem corretas