Sem Evita Perón: primeira-dama presidente no Brasil é uma ideia que não tem futuro

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil

ADRIANO BARCELOS

Em uma família cujo pai e três filhos são políticos, e um quarto já se ensaia candidato, não deixa de ser estranho que, faltando dois anos para a eleição de 2026, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro seja testada e retestada como potencial candidata a presidente da República. Nesta semana, outra vez o PL fez testes de popularidade em relação a ela em encomenda a seu instituto, o Paraná Pesquisas.

A aposta em Michelle envia diversos sinais e nenhum deles é favorável a Jair Bolsonaro e à extrema-direita. Não que as projeções sobre Michelle não sejam positivas – elas são até demais: na prática, ela é uma personalidade que herda, na arrancada, quase que a totalidade da base política do marido. Ironicamente, é da porta para dentro que os problemas se avolumam: o próprio Jair Bolsonaro é errático no que diz respeito à mulher.

Não são poucas as situações em que ele desconversa, tergiversa e até repele entusiastas do Michelle ‘26. Sentimento de que a empolgação com a mulher o esvazia politicamente, avaliação de que ela não tem condições de tocar uma campanha, medo até de um eventual sucesso eleitoral que o deixaria como subalterno por quatro anos – algo que o machismo confesso de Bolsonaro jamais poderia conceber. Escolha sua explicação favorita e ponha uma pitada de rolo familiar com os três pupilos, Flávio, Eduardo e Carlos. Só sendo surdo para não ouvir murmúrios de desconforto pelo protagonismo da jovem madrasta.

Se Lula estivesse em casa de bermuda e chinelos, e essa trama passasse na TV da sala, possivelmente ele assistiria a tudo comendo pipoca. Michelle candidata tem algo de desespero na extrema-direita. Primeira-dama é um cargo figurativo. Não estamos na Argentina, Michelle não é Evita Perón, Bolsonaro não é Juan Domingo e nem o tango é nossa dança mais popular. Hoje, lançar uma ex-primeira-dama para presidente da República Federativa do Brasil não é menos do que invencionice. Ainda que as pesquisas do PL dêem a ela 30% das intenções de voto, ela fica muito distante dos outros mínimos 20% que a fariam subir uma hipotética rampa.

Mesmo que a primeira vista Michelle presidente pudesse representar um avanço feminino à Direita, na melhor das hipóteses, caso Bolsonaro desse um giro de 180º em suas atitudes, ela soaria muito mais uma presidente esvaziada politicamente e colonizada pelo marido. A Presidência da República exige uma série de acordos e apoios em diversos setores. Ela teria o amém de evangélicos, por certo, mas pouco se sabe o que pensam dela segmentos do mercado financeiro, da indústria e os movimentos sociais. Ela é conhecida o suficiente para ser lembrada, mas pouco reconhecida para ser votada por 50 milhões de pessoas. Michelle é um rosto reiterado, mas jamais se submeteu ao escrutínio de suas ideias, quaisquer que ela tenha. É daí que brotam as rejeições.

Tentação por seguir dinastias parece vir do Brasil imperial

O Brasil é o país das equivalências, e as falsas são as que mais vicejam por estes campos onde em se plantando, tudo dá. Assim, ansiosos de sinal trocado tentam ver onde não existe uma Janja presidente. O finado Brasil Império deixou semeado nas mentes um gosto por dinastias. A República, essa ideia anódina para a mente e insossa para a alma, é pobre em símbolos. Até na folia de Momo se busca um rei. Tentações. Tentações.

Fato é que uma parte da esquerda festiva já embarca na narrativa de uma rainha para Lula, coisa que parece ainda mais delirante que o Michelle ‘26. Não é a nossa tradição, não vai acontecer. A extrema direita sem Bolsonaro busca um rumo e a cada dia longe do poder suas reservas eleitorais definham, se não em quantidade, em entusiasmo. No final, Michelle provavelmente não será candidata a presidente. Uma cadeira no Senado, eleita nos povos longínquos e profundos do Distrito Federal? Uma possibilidade. Tarcísio, o camaleão bem posicionado que já trabalhou com Dilma Rousseff e foi ungido por Bolsonaro, teria de deixar de lado uma reeleição mais que encaminhada para governador de São Paulo em nome de um embate contra Lula. O fará?

Não se sabe, mas isso é tema para uma outra conversa.

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