
ADRIANO BARCELOS
Ainda era noite de domingo no Brasil, em 4 de agosto, e o sol da segunda-feira já brilhava em Tóquio quando aquelas notícias realmente surpreendentes pululavam nas telas de celulares do Ocidente: bolsas do Japão, Coreia do Sul e outros mercados da Ásia derretiam, circuit breakers – paralisações emergenciais na compra e venda de ações, indicativos de crises extraordinárias – sendo ativados, bitcoins evaporando: enfim, uma turbulência global daquelas à espreita de americanos, europeus e até brasileiros, ainda antes que os ovos mexidos, cereais e copos de suco estivessem servidos para o breakfast dos operadores de Wall Street (ou, vá lá, da B3).
As razões da crise que apontou na Ásia em nada tinha a ver com o Extremo Oriente: era o indicativo de que a economia dos Estados Unidos da América poderia estar pegando um resfriado, o que distribuiria gripes, pneumonias e outras doenças nos mercados globais, de acordo com a imunidade de cada um. O resfriado do Tio Sam foi o indicativo de que, apesar de bons indicativos gerais nos últimos dois anos, a América estaria se preparando para entrar em recessão.
As árvores não crescem até o infinito
Como em uma onda de propagação sísmica, de um terremoto qualquer, o impacto que se sentiu em Tóquio chegou aos demais mercados atenuado. Investidores alavancados há anos em ações de Big Techs se aproveitaram da confusão para tirar um pouco da pressão de suas carteiras. Resultado: tombo na Nasdaq de 6%, em meio ao mau humor geral em Nova York. A tal recessão americana projetada vem da previsibilidade geral da economia dos EUA. Há certos sintomas recorrentes em todas as crises lá desde 1776, como endividamento da população, pressão nos índices de desemprego, e etc. Esses elementos estão presentes de novo e desde 2008 os americanos se convenceram que não, as árvores não crescem até o infinito: um ciclo de prosperidade sempre terá um fim, nos cabe saber como terminá-lo sem dor.
A crise de 2008, aliás, foi algo marcante na história da política e da economia no Brasil. Talvez tenha sido um “turning point” para algo que viria mudar para todo sempre a posição global do Brasil e que teve consequências claras nas relações diplomáticas Sul-Sul e outras instâncias, mas que levou o Brasil à instabilidade geral e à crise política continuada que pôde ser percebida entre 2013 e 2022. Mas isso é outra questão mais ampla, pela qual nos interessaremos em momento mais oportuno. Mas voltemos a 2008, o ano em que o então presidente Lula entrou para os anais da economia brasileira e se valeu de todo seu poder de comunicação popular para dizer: “a crise, se chegar aqui, vai ser uma marolinha”.
Marolinha embalou período de expansão
Lula, naquele momento, enfureceu os analistas econômicos da mídia brasileira. Como uma espécie de marinheiro que desafia Netuno em meio à tempestade, ele vociferou contra o mar revolto para defender o que acreditava ser a fortaleza econômica do seu governo. E venceu. A crise de 2008 mostrou que o grau de separação entre a economia americana e a brasileira alcançou níveis altos sem que quase ninguém percebesse. O Brasil, já potência mundial no mercado de commodities, tinha outros fundamentos e, contra todas as expectativas, viveu um momento econômico excepcionalmente bom entre 2008 e 2011 e que nos alçou a 6ª economia do mundo em 2012, à frente da Grã-Bretanha.
A recessão pré-datada dos EUA, que ainda não veio, mas virá, é má notícia para Kamala Harris. O piano já balança na corda e a pergunta é em que momento ele vai se espatifar na calçada. Se o choque for no período eleitoral, pode ser fatal em uma eleição que se desenha apertada. Eleitores com raiva, e recessões provocam fúria na sociedade, são um prato cheio para Donald Trump, esvaziado do discurso moral diante das condenações e da adversária ex-procuradora-geral da Califórnia.
O que os EUA farão para frear a recessão é o que precisa ser feito: cortar juros para acelerar a economia. Como se sabe, juro baixo nos EUA é bom para os emergentes. Possibilidades de ganhos menores no porto seguro (EUA) fazem os investidores abrir seus olhos para outras possibilidades. Como o Brasil tem o segundo juro real mais alto do planeta Terra, não precisa ser inteligente para deduzir que sim, eles virão.
BACEN não intervém no dólar. Nem intervirá
Os fundamentos econômicos do Brasil hoje são distintos de 2008. Acredito inclusive que Lula, hoje, envelhecido e de barbas brancas, não desafiaria Netuno com a volúpia que já fez. Uma eventual crise nos EUA trará oportunidades, mas também traz medo. Roberto Campos Neto, o xerife do Banco Central (BACEN), no jargão do futebol um retranqueiro, gosta de jogar na defesa e não tem vergonha de juro alto. A reação mais notável no Brasil desta semana foi um inchaço no dólar. Já tivemos 13% de desvalorização no real em 2024. O BACEN, mesmo sentado sobre reservas cambiais faraônicas, não interveio no mercado de dólar, não intervém e não intervirá. Na última ata do COPOM, Campos Neto já falou que o juro pode subir (ainda mais). A justificativa seria a alta do dólar, algo que pode em tese produzir inflação e sobre o qual ele não intervirá mesmo.
O mandato de Campos Neto se aproxima do fim e a bagunça nos mercados globais reforça um dos grandes temores de Lula: que a política monetária do mandatário siga para além do seu período – num BACEN Campos Neto sem Campos Neto. Lula precisa que o país decole definitivamente em 2025 para embalar o seu projeto pessoal em 2026, o Lula 4. Juros altos atrapalham, e até economistas de Direita admitem que os juros atuais não se justificam. Um resfriado americano pode contaminar os humores na Faria Lima e o sucessor de Campos Neto pode não ter força para se soltar de suas correntes.
Desta vez, convém não provocar Netuno.
* A frase do título deste artigo é uma referência à frase “É a economia, estúpido”, cunhada em 1992 por James Carville, então estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton contra George H. W. Bush, presidente dos Estados Unidos na época. A vitória de Clinton era improvável, mas dados da economia influenciaram e surpreenderam a campanha de Bush. A frase, desde então, é utilizada para ilustrar o peso da economia na arena político eleitoral.