
ADRIANO BARCELOS
Se o Bolsonarismo tivesse uma data anual para celebrar sua condição, essa data seria o Dia da Independência, 7 de Setembro. Foi nessa data que bolsonaristas encheram a Esplanada de tratores em 2022 para acossar o Supremo Tribunal Federal (STF); neste mesmo dia, diante de um atônito presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, Jair Bolsonaro puxava para si um coro pouco decoroso – imbroxável, imbroxável – e voava para o Rio de Janeiro para comemorar o bi-centenário da Independência em um ato-comício sob a bruma do mar. Por conta dessa fatídica jornada, Bolsonaro deixaria a autodeclarada posição de imbroxável por outra que o acompanha até hoje: inelegível.
Voz de Bolsonaro perde força na extrema-direita
No próximo sábado, será o segundo Dia da Independência sem Bolsonaro presidente. E o cenário que se apresenta para a extrema-direita, na qual o bolsonarismo tem morada e assento na tribuna de honra, é bastante diverso do de até dois anos atrás. O tamanho dessa variação será visto no dia 7, mas de antemão se pode deduzir uma série de diferenças.
A extrema-direita segue numerosa. O inimigo, até por falta de criatividade, segue sendo o STF – em especial Alexandre de Moraes. O bolsonarismo já marcou um protesto para o Dia da Independência e nada indica que terá grandes proporções. O que fica claro é que, haja o que houver, Bolsonaro perde ascendência sobre seu rebanho. Da ousada demanda inicial por impeachment de Moraes no STF, mote inicial dos protestos e apoiada por Bolsonaro e seus filhos, o que se viu foi um ex-presidente errático. Dúbio a ponto de não estar exatamente claro se ele vai ou não vai nas tais mobilizações.
O 7 de setembro dos bolsonaristas é visto pela família como um fio desencapado. A chamada para os protestos era algo como “vai pegar fogo”, 10 dias depois de o interior de São Paulo arder em queimadas coordenadas, iniciadas todas no espaço de uma hora. Se foi uma coincidência, ou um “dog whistle”, ainda é cedo para dizer e difícil de assegurar. Mas fato é que o Dia da Independência já chega mais indigesto que animador.
Disputa pelo comando: Marçal talvez não queira, Bolsonaro talvez não possa
Às vésperas do 7 de setembro de 2024, Bolsonaro está desconfortável. Ele, que reconhecidamente comanda bem seu eleitorado, anda errando a mão. O episódio Pablo Marçal é revelador: de uma tentativa de esmagar o novo entrante da extrema-direita a um recuo constrangedor, o ex-presidente e seu clã dão mostras de que a Corte ganhou um novo personagem e que, pela primeira vez, o rei pode ser desbancado e pela indiferença de sua própria gente.
A disparada de Marçal nas pesquisas demonstra que o bolsonarismo sem Bolsonaro é uma possibilidade tangível, sem Michele, sem Flávio, sem Tarcisio. E pior, sem a necessidade da bênção do patriarca: o coach caiu no gosto do eleitorado de extrema-direita à revelia de Bolsonaro e resistir a isso poderia ser o fim de seu poder de influência. Cálculo político feito, arremetida efetuada. Fatura paga.
O zumbido infernal no cérebro da extrema-direita brasileira se demonstra na falta de rumos e de comando. Parece lógico que Marçal não quer ser Bolsonaro e talvez não possa sê-lo; parece mais lógico ainda que Bolsonaro quer seguir comandando seu quinhão do eleitorado, mas talvez não consiga manter a energia na oposição, inelegível e pressionado pela Justiça.
Presença de Elon Musk na política brasileira é bizarra
Nesse cenário ruidoso, resta um personagem tão inusitado quanto descabido: Elon Musk. Como quem comanda o mundo a partir de uma cápsula criogênica, ele achou uma boa ideia jogar uma das redes sociais mais relevantes do mundo em uma aventura jurídica no Brasil. Moraes pagou para ver e retirou o Twitter (X) do ar baseado em artigos do Código Civil que qualquer bixo de Direito é capaz de apontar. Bingo: a Primeira Turma do STF referendou a decisão e Elon Musk só poderia se queixar no próprio Twitter – mas o problema é que ninguém conseguirá ver. Voilà.
Por mais que o bilionário impulsione os protestos, é pouco provável que a carência dos usuários da rede social os faça ir às ruas contra Moraes. O que fica é um “Xandão” fortalecido, que derrubou a rede social no país – e o sol nasceu no dia seguinte, como era de se esperar.
Desorientada e fragilizada, a base da extrema-direita começa a mostrar fissuras. O governo consegue bons resultados na economia e o entusiasmo no PIB é uma ducha de água fria nos movimentos políticos que se alimentam da insatisfação. Mudanças esparsas no universo evangélico e vontade de surfar nos resultados de Lula tornam o monolítico religioso algo mais poroso, para tristeza de Bolsonaro e família.
Nas eleições municipais de outubro, a extrema-direita e os partidos que cercam o bolsonarismo têm tudo para conseguir bons números, mas não se enganem: o Centrão vai tomar de volta um bom pedaço daquilo que é seu. Mas isso é assunto para uma outra conversa.