Fazer o arroz com feijão: Planalto descobre que supermercado vai corroer a reeleição de Lula

ADRIANO BARCELOS

Ninguém duvida da capacidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fazer leituras políticas acuradas. Ele já esteve em situações desafiadoras no passado e conseguiu perseverar. Mas o inimigo de 2026 não é nenhum tucano e nem Jair Bolsonaro, é um obstáculo bem mais desafiador: as gôndolas dos supermercados. A tão famosa “inflação dos alimentos” – aliás, a única inflação que de fato interessa, afinal as famílias brasileiras não consomem passagem de avião e nem compram carros toda semana –, já provoca estragos na popularidade do governo.

A carestia dos produtos no supermercado arrasa governantes porque é uma anti propaganda constante e inescapável. As famílias vão ao supermercado regularmente quase todos os dias e o estupor diante dos preços semeia um ódio cotidiano contra tudo e contra todos. Não adianta falar da seca, ou da enchente; não adianta falar do dólar; não adianta dizer que o mercado se autorregula no regime capitalista; não adianta nem Zzzzzzzzzzzz… A culpa primeira e derradeira é dele, do presidente.

O nervosismo de Lula com as compras das famílias é justificado: a corrosão da popularidade dele é notória. Pesquisa Quaest divulgada nesta segunda-feira nos traz que, pela primeira vez, o percentual de brasileiros que desaprovam Lula é maior do que o daqueles que aprovam: 49% x 47%, sendo que a aprovação estava em 52% há um mês.

A situação é complicada porque a margem de manobra do governo não é muito grande. O fortalecimento dos estoques reguladores, por exemplo, é algo que demanda esforço e investimento, o que não foi feito tempestivamente. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) esteve inativa por seis anos, nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. A retomada no governo Lula foi tímida e basicamente só milho foi comprado. Arroz, feijão, mandioca ou mesmo café não estão no radar da desmantelada Conab.

Enquanto isso, os preços campeiam. O arroz, base da alimentação dos brasileiros, enfrenta redução da área plantada e aumento brutal no preço ao consumidor: 8,24% em 2024, quase o dobro da inflação oficial. O feijão, seu parceiro do dia a dia, não ficou para trás. Isso sem contar o azedume geral com o preço dos derivados do leite e com a carne, que depois de uma trégua em 2023 e parte de 2024, voltou a assombrar com a seca prolongada e o manejo do rebanho por parte dos pecuaristas.

Lula está de mãos atadas. A bem-vinda isenção de impostos sobre a cesta básica, uma benfeitoria da reforma tributária que enfim vai sair do papel, só vale a partir de 2027; tarde demais para quem quer votos em outubro de 2026. Os demais caminhos são igualmente tortuosos. A psiquè social do brasileiro neste momento é privatista e qualquer intervenção em qualquer área da economia no Brasil hoje já parte com resistência – ainda que o objetivo final seja permitir à dona de casa colocar o arroz e o feijão sobre a mesa de sua família.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, ensaiou traçar uma “intervenção” que deixasse os alimentos mais palatáveis para a população, mas teve logo de recuar porque o termo provoca engulhos no eleitorado e no mercado – o que não é super, aquele que ninguém sabe ao certo o que vende. Outras ideias, como importação de cereais, criação de uma rede popular de alimentos, congelamento de preços, todas foram devidamente vaiadas e abandonadas pelo Planalto.

O que restou é pequeno demais para causar impacto, ou antipático demais para ser levado a cabo. Lula vai usar de seu soft power e tentar seduzir os supermercadistas no sentido de que os preços precisam baixar. Medidas colaterais, como a redução nos custos nos mecanismos de vale-alimentação, todas estão sobre a mesa do encontro entre empresários do setor e o presidente, mas nada com potencial de reduzir o azedume de quem passa pela caixa registradora.

Já que o trabalho na Conab não foi feito e faltam duas safras entre agora e a eleição de 2026, o governo e Lula precisarão contar prioritariamente com a sorte: duas boas safras, ajudadas pelo clima, questões tributárias no exterior, bastante em voga na pauta de Donald Trump, dólar mais fraco, todas essas questões podem aleatoriamente diminuir a pressão para a reeleição.

Mas nada indica que farão e o governo não pode esperar apenas pela sorte. Subsídios para ampliar a área plantada e talvez uma colher de chá da austeridade pedida pelo mercado possa restabelecer os preços dos alimentos à realidade. A massa trabalhadora com carteira assinada é recorde, os salários sobem pouco mas constantemente nos últimos meses com a queda do desemprego. Mas de nada adiantam ganhos se a renda for corroída pelos alimentos.

Na política, por vezes o que conta é saber fazer o arroz com feijão.

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