
Como a antipolítica e a imagem de anti-sistema encarnados por personagens como Bolsonaro, Milei, Trump entre outros representa um perigo para a política institucional e a democracia. Pablo Marçal é a nova figura desse álbum, mas ele não parece ser figurinha repetida
A política institucional é chata, modorrenta, com pessoas falando e sendo retrucadas sem que, aparentemente, não se chegue a lugar algum. E muitas vezes não se chega a lugar algum mesmo, não passando de Mise en Scène de algo que já está decidido em gabinetes ou como disse a saudosa Maria da Conceição Tavares, em vídeo que viralizou após sua morte, “em almóssos (sic)” das classes sociais e políticas que realmente decidem. E, no geral, é bom que as coisas sejam assim mesmo. A internet, e principalmente as redes sociais, trouxeram para o palco personagens como Bolsonaro, Milei e Trump, que se aproveitam dessa demanda antipolítica e anti-sistema para ganhos eleitorais. A prova que isso funciona é que nos três casos acima se elegeram presidentes do Brasil, Argentina e Estados Unidos.
Política como banheira do Gugu: a verdade é só um mero detalhe
Pois, nessas eleições municipais, São Paulo, maior cidade do país e da América Latina, terceiro PIB do Brasil (perdendo apenas para o estado de São Paulo e para o próprio Brasil), que se orgulha de sua economia e de ser um dos grandes centro decisórios do país, pariu uma nova espécie de animal político: Pablo Marçal. Essa mistura de coach messiânico com pastor religioso, considerado um gênio por alguns que pagam fortunas para participarem de seus cursos de autoajuda, ou um mero picareta, charlatão e bandido por muitos, chegou “causando” no pleito paulistano. Sua postura lembra a de um franco atirador, atacando adversários sem provas, não apresentando propostas viáveis para o município que pretende governar, e deixando claro que não está preocupado com isso quando diz que responderá às perguntas do debate diretamente em suas redes sociais, numa espécie de orgulho infantil e narcisista do seu status de milionário que paga para que os outros façam suas tarefas. Sem falar do claro recado de arrogância, apesar da própria ignorância.
Mas a postura de “p**** louca” não passa de fachada. Ele sabe o público que quer atingir, e que seus adversários não são os outros políticos, vistos por ele como escadas para suas blagues, ou “lacradas”, que ele utilizará em cortes nas suas redes. Ele se vê como o Didi Mocó em frente a vários Dedé´s Santana´s, pois seu verdadeiro antagonista é a política institucional como um todo, local que ele é mal visto e ao qual não se enquadra. Como uma espécie de extrema-direita 2.0, talvez ele mesmo se veja muito mais como um Bukele, presidente de El Salvador, tanto em seu discurso como esteticamente, usando boné e roupas bem cortadas, de marcas famosas, mas que muitas vezes raspam no exagero, na ostentação e no mau gosto que tão bem representa os seus seguidores.
Estelionatos em série não sensibilizam o anti-eleitor da antipolítica
A pergunta que fica é: como um personagem desses pode ir tão longe na política institucional, beirando aos 20% de intenção de votos na maior capital brasileira? Seu passado ilibado e brilhante não é. A “capivara” de Marçal é cheia de acusações de estelionato, pirâmides financeiras, e muitos outros problemas com a justiça. Por exemplo, ele já foi condenado por participação em uma quadrilha que realizava golpes bancários por meios eletrônicos. Isso mesmo, aquela ligação que os vovôs e vovós recebem com ameaças de corte na aposentadoria, ou aquele e-mail com o famoso “clique aqui” que serve apenas para roubar seus dados e depois dinheiro de suas contas no banco, pois o influenciador já foi sentenciado por esse crime, e só não foi em cana por que a pena prescreveu. Em outro caso, agora já com a máscara de influencer milionário, levou um grupo para o Pico dos Marins, interior de SP, onde ele e os seguidores quase morreram e tiveram que ser resgatados pelos bombeiros.
Arrisco uma teoria: se em 2018 Bolsonaro deu uma surra nos adversários via redes sociais, e levou as eleições por conta disso, Marçal dobra a aposta e leva as redes sociais para todos os espaços da política, seja em debates, entrevistas e para a campanha de rua. A aposta parece óbvia, pois cada vez mais as discussões saíram da vida real e migraram para os espaços virtuais, então o eleitor já está habituado com esse modelo. O que estarrece é perceber que o restante da política foi pega, mais uma vez, de surpresa. Inclusive o clã Bolsonaro, após algumas declarações desencontradas, fechou posição contra o coach. A partir de agora é acompanhar se sem esse apoio ele irá desidratar ou se colocar como algo realmente viável pelos eleitores, crescendo e chegando ao segundo turno com chances de vitória.
Sistema de barreiras atual contra bizarrices precisa ser repensado
No caso do Marçal, e daqueles que com certeza o verão como um modelo político a partir de agora, a Justiça Eleitoral, os veículos de comunicação que organizam debates e cobrem a política, enfim, todos os agentes envolvidos na política institucional, terão que se organizar e criar anticorpos para deter esse tipo de personagem. É sempre interessante constatar que ele, assim como todo o restante da extrema-direita, não entram no jogo para vencer dentro das regras democráticas, eles estão aí para destruírem a democracia por dentro. Ainda não sabemos onde o fenômeno Marçal pode chegar, se será cassado, se vai atingir um teto e depois derreter (o que em SP é conhecida como russomanização, em alusão a Celso Russomanno, que sempre aparecia bem nas primeiras pesquisas e no final sempre terminava entre os últimos colocados), ou se irá crescer e ameaçar Ricardo Nunes e Guilherme Boulos, vistos como principais postulantes ao Palácio Matarazzo. Mas o importante é que a hiena já se colocou no meio da matilha dos lobos e da manada de ovelhas, e não importa o que aconteça, ele já é o grande vencedor deste pleito. Sua presença e existência nesse meio já é uma afronta à democracia. E talvez ainda não estejam entendendo isso, e não falo apenas dos eleitores.








