Uma verdade inconveniente no Jornalismo? Aí vai: a obsessão pela falsa simetria é mais criminosa que a parcialidade

ADRIANO BARCELOS

Do alto de meus 46 anos, já posso começar a me entender por aquilo que se considera um dinossauro do Jornalismo: comecei a faculdade no século passado, vi a internet usando fraldas e meus sonhos profissionais da época de universitário provocariam risos nos jovens das “FACs” de hoje em dia. Porém, alguns ensinamentos dos professores da antiga Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (FABICO) da gloriosa Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) deveriam valer – ou seguir valendo – por motivo de: nada melhor foi criado, a ponto de revogar o que valia naquela franja de 1999.

O primeiro que me vem à mente não é nada de tão elaborado, mas é um imperativo moral da profissão: pra ser jornalista é mandatório ter coragem. “Tener huevos”, se diría, no nosso portunhol castiço daqueles dias em uma Porto Alegre mais vermelhinha, ainda iludida com o Mercosul. Havia até uma frase-síntese desse pensamento, creio que vinda da cabeça inquieta do professor Wladimir Ungaretti: “o jornalista é o único profissional que luta todo dia contra seu próprio emprego”. Ora, vejam a genialidade dessa frase: jornalista é algo como um profissional liberal, cuja autonomia e independência são importantes para fazer seu trabalho; por outro lado, ele precisa(va) estar associado a uma empresa de grande porte, que possuísse gráficas, estúdios de rádio – os meios de produção, em suma, em uma visão marxista de mundo.

Então, todos os dramas existenciais do jornalista noventista estavam expressos na dicotomia entre ser honesto para com a sociedade, em última análise a razão de ser de seus serviços, e para com o empregador, que demanda certo desempenho e busca seu lucro até onde for possível estendê-lo, afinal de contas todo mundo tem direito a seu Porsche ou mansão em Punta Del Este.

Divagações lateralizadas à parte, ao jornalista não pode sobrar medo de quem quer que seja, nem do poder, nem do empregador, nem da própria sociedade: “Jornalismo é publicar o que não querem ver publicado, o resto é publicidade”, o adágio de autor desconhecido, tão bem sintetizado por Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição, o resto é secos e molhados”.

Das tardes frias dentro do prédio da FABICO para cá, quando o Jornalismo tinha mais a ver com o quarto dos peões do que com o balcão onde todo mundo vende hoje os seus secos e molhados, quase tudo mudou. Os meios de produção de Marx foram tirados das mãos das famílias ricas que sempre os tiveram e repassados a pequenas divindades globais, Musk, Zuckerberg, etc, etc, etc.

O jornalista inconveniente, que já havia sido despido de seu diploma, virou agora a insignificância de si próprio… O anódino “produtor de conteúdo”, aquele que divide a atenção do público enfastiado com vídeos de cachorro, coaches imberbes sentados em cadeiras-gamer e crianças que odeiam a CLT e falam com voz de pastor evangélico dando dicas matrimoniais do alto de seus 12 anos de experiência de vida.

Esse estado de coisas pressiona, tolhe e inibe. O jornalista que resolveu inexplicavelmente ficar dentro das redações, brincando de driblar o burnout e fazendo roleta-russa com os boletos, está sob constante tensionamento. Os “haters”, odiadores profissionais, se somam a todos os infortúnios do mundo ao patrocinar a execração pública do jornalista inconveniente. Chamar a vaia para si é para poucos: a natureza humana busca é pela validação. A turba policialesca das redes quer bater, matar e estrebuchar, expondo vísceras de respeitabilidade social em praça pública. Quem a isso não temeria?

Além de adoecer o jornalista, esse habitat radioativo provoca uma mudança significativa na prática do cotidiano da imprensa: a coragem se esvai. A ideia de que, por esse salário e em defesa dessa sociedade, talvez não valha a pena a luta anestesia o jornalista inconveniente. Melhor é “não se incomodar”. Como faço isso? Não desagradando ninguém. Ou melhor, se for desagradar a alguém, que sejam aqueles que têm menor potencial para me ferir ou fazer mal. A saber: me matar ou ainda pior… me demitir.

Como isso se manifesta na prática? É muito simples: como sabemos, estamos em um país polarizado. Há algo que um lado promova e que é reprovável. Isso é notícia. Mas como publicar, sem que o lado que faz algo errado se volte contra o jornalista? É simples: encontremos algo que possa ser dito e que imobilize também o outro lado.

A linguagem humana, porém, é carregada de subterfúgios e adjetivações de abrandamento. Exemplo esdrúxulo: se uma pessoa mata outra com cinco tiros e a outra passa o sinal vermelho e é multada, temos duas pessoas que infringiram a lei. Qual o perigo que essa psiqué das redações traz pra sociedade? Na verdade, o descritério já trouxe consequências e elas são todas nocivas, sem que ninguém perceba.

A busca exacerbada pela simetria incabível é uma praga no sentido de que, cada vez mais, favorece a narrativa de que todos são iguais, todos são infratores, ninguém vale nada. Não preciso nem comentar que os verdadeiros criminosos saem beneficiados – e os extremistas mais ainda. Se todos são iguais, não faz diferença. O candidato intragável de ontem é o palatável de hoje, afinal ele é ruim mas os demais também são. Afinal, ninguém presta.

O jornalista escravo das falsas simetrias é um cupim da informação. Ao contrário do parcial, o verme que desvia o curso do rio em que flui a notícia pra irrigar apenas sua lavoura, o jornalista da falsa simetria é um cínico. Ele usa todas as regras do jogo da confiança jornalista-audiência para sabotar o próprio jogo. Ele não mente, ele não omite. Ele é pior. Ele traz para o picadeiro quem devia ter ficado à sombra. Ele traz para o opaco todo aquele que deveria estar na luz para que o público pudesse construir a sua própria visão da realidade. Ele embaralha cartas. Como um mágico mequetrefe, o prazer dele é confundir.

As gerações formadas em comunicação pós-internet muito pouco podem fazer a respeito dessa composição. É difícil identificar um problema quando sua formação é turvada pelas lentes desse estado de coisas. Não se pode ver um problema mesmo evidente se ninguém mais o vê, ou se ele sempre esteve aí – e talvez sempre vá estar.

A erosão da democracia passou pelo escoadouro da credibilidade da imprensa. Existe algo pior que isso, pra quem se formou construindo notícia em defesa da sociedade e contra seu próprio emprego?

Não. E não há simetria que se sustente.

Fazer o arroz com feijão: Planalto descobre que supermercado vai corroer a reeleição de Lula

ADRIANO BARCELOS

Ninguém duvida da capacidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em fazer leituras políticas acuradas. Ele já esteve em situações desafiadoras no passado e conseguiu perseverar. Mas o inimigo de 2026 não é nenhum tucano e nem Jair Bolsonaro, é um obstáculo bem mais desafiador: as gôndolas dos supermercados. A tão famosa “inflação dos alimentos” – aliás, a única inflação que de fato interessa, afinal as famílias brasileiras não consomem passagem de avião e nem compram carros toda semana –, já provoca estragos na popularidade do governo.

A carestia dos produtos no supermercado arrasa governantes porque é uma anti propaganda constante e inescapável. As famílias vão ao supermercado regularmente quase todos os dias e o estupor diante dos preços semeia um ódio cotidiano contra tudo e contra todos. Não adianta falar da seca, ou da enchente; não adianta falar do dólar; não adianta dizer que o mercado se autorregula no regime capitalista; não adianta nem Zzzzzzzzzzzz… A culpa primeira e derradeira é dele, do presidente.

O nervosismo de Lula com as compras das famílias é justificado: a corrosão da popularidade dele é notória. Pesquisa Quaest divulgada nesta segunda-feira nos traz que, pela primeira vez, o percentual de brasileiros que desaprovam Lula é maior do que o daqueles que aprovam: 49% x 47%, sendo que a aprovação estava em 52% há um mês.

A situação é complicada porque a margem de manobra do governo não é muito grande. O fortalecimento dos estoques reguladores, por exemplo, é algo que demanda esforço e investimento, o que não foi feito tempestivamente. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) esteve inativa por seis anos, nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. A retomada no governo Lula foi tímida e basicamente só milho foi comprado. Arroz, feijão, mandioca ou mesmo café não estão no radar da desmantelada Conab.

Enquanto isso, os preços campeiam. O arroz, base da alimentação dos brasileiros, enfrenta redução da área plantada e aumento brutal no preço ao consumidor: 8,24% em 2024, quase o dobro da inflação oficial. O feijão, seu parceiro do dia a dia, não ficou para trás. Isso sem contar o azedume geral com o preço dos derivados do leite e com a carne, que depois de uma trégua em 2023 e parte de 2024, voltou a assombrar com a seca prolongada e o manejo do rebanho por parte dos pecuaristas.

Lula está de mãos atadas. A bem-vinda isenção de impostos sobre a cesta básica, uma benfeitoria da reforma tributária que enfim vai sair do papel, só vale a partir de 2027; tarde demais para quem quer votos em outubro de 2026. Os demais caminhos são igualmente tortuosos. A psiquè social do brasileiro neste momento é privatista e qualquer intervenção em qualquer área da economia no Brasil hoje já parte com resistência – ainda que o objetivo final seja permitir à dona de casa colocar o arroz e o feijão sobre a mesa de sua família.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, ensaiou traçar uma “intervenção” que deixasse os alimentos mais palatáveis para a população, mas teve logo de recuar porque o termo provoca engulhos no eleitorado e no mercado – o que não é super, aquele que ninguém sabe ao certo o que vende. Outras ideias, como importação de cereais, criação de uma rede popular de alimentos, congelamento de preços, todas foram devidamente vaiadas e abandonadas pelo Planalto.

O que restou é pequeno demais para causar impacto, ou antipático demais para ser levado a cabo. Lula vai usar de seu soft power e tentar seduzir os supermercadistas no sentido de que os preços precisam baixar. Medidas colaterais, como a redução nos custos nos mecanismos de vale-alimentação, todas estão sobre a mesa do encontro entre empresários do setor e o presidente, mas nada com potencial de reduzir o azedume de quem passa pela caixa registradora.

Já que o trabalho na Conab não foi feito e faltam duas safras entre agora e a eleição de 2026, o governo e Lula precisarão contar prioritariamente com a sorte: duas boas safras, ajudadas pelo clima, questões tributárias no exterior, bastante em voga na pauta de Donald Trump, dólar mais fraco, todas essas questões podem aleatoriamente diminuir a pressão para a reeleição.

Mas nada indica que farão e o governo não pode esperar apenas pela sorte. Subsídios para ampliar a área plantada e talvez uma colher de chá da austeridade pedida pelo mercado possa restabelecer os preços dos alimentos à realidade. A massa trabalhadora com carteira assinada é recorde, os salários sobem pouco mas constantemente nos últimos meses com a queda do desemprego. Mas de nada adiantam ganhos se a renda for corroída pelos alimentos.

Na política, por vezes o que conta é saber fazer o arroz com feijão.

Vitória de Trump reabilita Bolsonaro: a extrema-direita encontra seu caminho

ADRIANO BARCELOS

O Século XXI trouxe à luz alguns debates que pareciam totalmente superados. Um deles, o da primazia da lei e do Direito sobre a vontade popular. Um exemplo, para ficarmos todos na mesma página: questões sobre a pena de morte dificilmente seriam objeto de plebiscitos ou referendos nas sociedades desenvolvidas – não porque não haja gente o suficiente para achar que o Estado deve matar pessoas e votar a favor disso; mas porque é moralmente errado que o Estado mate pessoas, pelo menos na parte do mundo que já caminhou um pouco adiante do Iluminismo. 

A ideia de que o apoio popular tudo permite precisa de contenção, ao menos nas democracias. Não é possível conciliar o entendimento universal de que todos são iguais com a premissa de que a alguns tudo é permitido, desde que tenham a aprovação dos demais. 

Ao questionar a autoridade de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) baseado na pergunta sobre “quantos votos ele obteve para estar lá”, o oportunismo politiqueiro estabelece a primazia do populismo mais raso, como se República moderna permitisse um arranjo onde apenas a resposta da turba organizada oferecesse legitimidade. Não é assim – e nem pode ser assim. A extrema-direita subverte conceitos construídos ao longo de séculos, como se retirasse as colunas térreas de um prédio de 20 andares, não na expectativa manifesta de derrubá-lo, mas no objetivo final de vê-lo no chão.

A pergunta capciosa e que sequestra mentes pouco inteligentes no Brasil hoje é: o que conta mais, a opinião de 11 ministros do STF ou a vontade de 50 milhões de pessoas? Pois bem. A vitória de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos da América, condenado por fraude, traz uma resposta significativa sobre a preponderância do populismo em relação ao Estado de Direito – isso vindo do país que se autoproclama “líder do mundo livre”. As ideias liberais dos Founding Fathers, tão preocupadas em coibir “tiranos”, foram suplantadas no Século XXI pelo barulho das multidões empanturradas de cachorro quente e refrigerante. É a democracia? Não, não é a democracia. Isso é outra coisa. Mas não falaremos de Estados Unidos agora.

O ex-presidente Jair Bolsonaro está inelegível, é o que dizem. As acusações contra ele, inclusive, estão sendo robustecidas em vários dos inquéritos, o que sugeriria que a inelegibilidade poderia, até mesmo, vir acompanhada de medidas mais drásticas, como a prisão. 

Mas a vitória de Trump muda o sentido do vento. Bolsonaro esteve acuado, foi acossado pela língua ferina de Pablo Marçal e virou tira-gosto nos discursos de Ronaldo Caiado. Nada que o eliminasse politicamente. No instante em que Brasília vive o exato momento da troca no presidente da Câmara dos Deputados e do Senado, o assunto da eleição parlamentar será uma anistia geral e irrestrita aos golpistas de 8 de janeiro de 2023, como já vem sendo ventilado. 

O deputado Hugo Motta (REP-PB), que tem o apoio de Arthur Lira, do PT e do PL, já vem sendo pressionado para pautar a anistia por parte do PL. Em tese, para não perder o apoio do PT, ele se esquivará do assunto até a eleição. Mas na verdade, ele pautará sim a anistia no ano que vem, por várias razões. Uma delas, que ninguém nos ouça: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gosta da ideia de enfrentar Bolsonaro outra vez em 2026, na tentativa de fazer dele seu adversário amestrado, como fez com o PSDB há 20 anos. A opinião pública está amaciada, afinal, quem não se compadece vendo a vovó Fátima de Tubarão condenada a 17 anos de prisão?

O Congresso Nacional já pôs o bode na sala: ao pautar medidas restritivas à atuação do STF, o parlamento impôs constrangimento à Justiça. A vergonha alheia pode ser grande (o Supremo julgando inconstitucionais medidas que restringem o seu próprio poder), mas talvez uma medida compensatória repondo Bolsonaro de volta ao jogo político possa ser a conciliação de que a extrema direita necessita para tentar fazer de Bolsonaro em 2026 o Trump de 2024.

A tempestade de Trump (não fazer piada com Stormy Daniels, a atriz pornô subornada por ele levando-o à condenação e cujo apelido em tradução livre seria “tempestade” Daniels) vai sair com “nível cinco” dos EUA e vai chegar aqui com nível três, talvez quatro, na escala dos furacões que varrem a Flórida. A democracia brasileira será sacudida mais uma vez e o beneficiário será Jair Bolsonaro. O vento vai balançar tudo na Praça dos Três Poderes e a extrema-direita acordou sorridente. Não quer dizer que ele vá vencer em 2026 – não quer dizer sequer que ele conseguirá ser candidato, visto que dois anos de ostracismo forçado assanharam outros nomes do seu campo político. Mas. 

Afinal, o que podem a razão e a verdade diante da opinião (ainda que obtusa) de 50 milhões de pessoas?

Lula sequer esperou o segundo turno das municipais para reposicionar governo: guinada à direita à vista?

15.10.2024 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a sanção do Projeto de Lei n° 3090/ 2023, que institui o Dia Nacional da Música Gospel, em cerimônia no Palácio do Planalto. Brasília – DF.
Foto: Ricardo Stuckert / PR

ADRIANO BARCELOS

Para o Palácio da Alvorada, não há mais o que esperar. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já entendeu o recado das urnas nas eleições municipais de 2024 – e ele é amargo como fel. A esquerda perdeu. Mas a pior notícia nem é ter perdido prefeituras, até porque isso tem sido uma indesejável constante na vida do PT desde 2016. A verdadeira hecatombe foi o descolamento de discurso entre a esquerda e as classes de renda mais baixas.

A eleição municipal de São Paulo, por exemplo, que terá um segundo turno entre Ricardo Nunes (MDB), apoiado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), apoiado por Lula, ficou marcada pela prevalência de Nunes junto às faixas de eleitorado mais populares. Mesmo com Marta Suplicy (PT) de vice, em um arranjo considerado infalível e montado pelo próprio Lula, Boulos não emplacou junto às periferias – ainda que Lula tenha sido o mais votado dos candidatos a presidente na cidade de São Paulo.

Lula é um animal político, uma espécie cada vez mais rara. E o desarranjo da relação entre as esquerdas e o país era algo que pairava no ar havia mais de um ano. Senão, vejamos: o governo coleciona boas notícias na economia, a renda média dos assalariados sobe, o PIB cresce e o desemprego está no patamar mais baixo da história recente.

Ainda assim, a avaliação do governo é medíocre – grosso modo, de cada três brasileiros, um está contente, um está descontente e um está indiferente. Diante disso, já ressoa na cabeça de Lula que vai “faltar pernas” em 2026 e é melhor reacomodar o discurso para tentar a sorte diante de um eleitor que não percebe o governo e nem as esquerdas como representantes de seus anseios.

Os movimentos de Lula para reposicionar as suas peças já estão em curso. Menos distraídos perceberam a cerimônia estranhíssima em que o presidente recebeu o deputado federal ex-bolsonarista Otoni de Paula (MDB-RJ) e evangélicos no Palácio do Planalto. O atalho para o PT se viabilizar em 2026 pode estar na eleição de Cuiabá em 2024, quando o petista Ludio Cabral faz um bom enfrentamento contra o candidato de extrema-direita Abilio Brunini apenas negando a “pauta moral”, mas isso é um passo arriscado e que precisaria ser amadurecido por Lula.

A escolha do próximo presidente do PT também entra no radar: Lula quer o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, mas movimentos internos petistas trabalham por outros nomes mais à feição da atual presidente, Gleisi Hoffmann, e isso desagrada o Planalto. Talvez Edinho desse a autonomia para Lula reposicionar o PT que Gleisi não daria, e isso é uma peça do tabuleiro de 2026 da qual Lula não quer abrir mão .

Na eleição de São Paulo, outro fator indica o caminho de mudança que Lula poderá percorrer: a “marçalização” do discurso de Boulos na reta final, com a carta atabalhoada que ele leu para seguidores em que se compromete com os empreendedores individuais, em especial os motoristas de aplicativos e motoboys, evidencia que a fração de brasileiros que não querem saber de carteira assinada, até que enfim, vai entrar no radar da esquerda.

Expressões como “pobre de direita”, “precarizado” e “empreendedor de bolo de caneca”, devem ser varridas do vocabulário daqui até as próximas eleições. E isso é uma resolução deveras tardia: desde 2017, com a pesquisa “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”, um trabalho primoroso da Fundação Perseu Abramo, ligada ao próprio PT, o estado de coisas já indicava que o trabalhador periférico já não era mais o mesmo dos tempos do Lula metalúrgico.

Onde vai parar o reposicionamento de Lula e do PT é difícil determinar agora. A cantilena pró-empreendedorismo, a defesa da meritocracia e até a injeção de recursos públicos em projetos antes vistos como “liberais” são passos já vistos como certos. A picanha barata com cerveja não produziu o efeito esperado por Lula. O eleitor, errático, acha que a prosperidade precisa vir com a velocidade das bets e do “jogo do Tigrinho”, do Day Trade e como resposta automática à ansiedade com que ele rola o feed de suas redes sociais em busca do influenciador favorito. A vida não rola no mesmo ritmo das dancinhas do TikTok, isso é fato – mas não adianta culpar o eleitor.

Reforma ministerial ao sabor do primeiro governo Lula está no radar

Outra consequência, essa mais direta, também está no horizonte dos analistas: uma reforma ministerial com um pezinho mais à direita. Na Frente Ampla que o elegeu, Lula ampliou o número de pastas, mas manteve sob seu domínio e do PT as principais. Há um certo consenso em Brasília que muitas desses ministérios não funcionam bem, ou seja: nem o governo os utiliza para fortalecer o apoio do Congresso e nem faz as entregas que poderiam ampliar a popularidade de Lula. Um exemplo claro: o Planalto colocou Nísia Trindade no Ministério da Saúde, o maior orçamento da Esplanada. Nome técnico, vinculado à esquerda.

O Centrão, especialmente o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), sempre cobiçou o espaço, mas não obteve a pasta. O resultado é que a gestão de Nísia é, no momento, fraca – para se definir em palavras bem simpáticas. O governo tem passado por desgastes na Saúde, um deles bastante grave: a falta de vacinas para Covid no Sistema Único de Saúde (SUS). Dessa maneira, não se pode desconsiderar as possibilidades de que Lula entregue nacos mais suculentos de seu governo na reta final para aumentar sua força dentro dos partidos de centro. Mesmo dentro da esquerda, é esperado um reposicionamento que pode empurrar o PT para um isolamento quase irresistível. O PSB e o PDT ensaiam uma federação, com outros pequenos partidos de centro, um movimento que mexe consistentemente no jogo de cartas para 2026 e adiante.

Lula já passou por outras crises antes. O mensalão, em 2005, obrigara o PT a fazer concessões. Lula as fez e teve uma reeleição absolutamente tranquila em 2006. O ponto é que Lula não é mais o mesmo, o PT não é mais o mesmo e o eleitor – definitivamente – não é mais o mesmo.

Profissão? Rico: na sociedade da distração, a “mão invisível” do mercado puxa suas cartas da manga

EUCLIDES BITELO

Visto pelos olhos do século XXI, Adam Smith (1723 – 1790), em seu clássico A Riqueza das Nações (1776), soa inocente, talvez até mesmo ingênuo, em sua defesa irrestrita do individualismo e do liberalismo, algo que pode ser resumido na tão falada, e tão pouco compreendida, “mão invisível” do mercado.

Porém, se nos deslocarmos temporalmente, podemos entender que era o início da Revolução Industrial, iniciada por volta de 1760, então assistir aquele ambiente de inovações, novas ideias, de avanços científicos, deveria ser realmente algo impressionante para quem ainda vivia sob o jugo de monarquias absolutistas e do moralismo religioso absoluto.

Não quero discutir aqui o que o senhor “Carlinhos Marques” fez com esse otimismo exagerado ao lançar O Capital (1867), quase 100 anos depois, onde analisou o caráter exploratório da burguesia sobre os trabalhadores, mas dar um salto histórico até o neoliberalismo e como isso é interpretado nos dias atuais.

Se no liberalismo clássico existia um certo deslumbre pela figura do industrial inovador, aquele que através de uma ideia ou do financiamento de pessoas capazes de realizar novidades para facilitar a vida das pessoas, e assim movimentar a economia e o capitalismo, o neoliberalismo criou a rachadura no sistema.

Desconexão entre realização, notoriedade e celebridade avilta capitalismo clássico

Essa fissura tem o nome de financismo, ou seja, não era preciso mais realizar algo extraordinário, bastava ter dinheiro. Não quero aqui resumir, ou enxovalhar (tá, só um pouquinho), as ideias de economistas como Friedrich Hayek ou Milton Friedman, mas tentar entender o que deu errado e o que se seguiu a esse fracasso ainda não admitido pelos Faria Limers e congêneres.

Os teóricos neoliberais pregavam uma denominada “terceira via”, capaz de resolver o conflito entre o liberalismo clássico e a economia planificada coletivista com o objetivo de evitar crises como a de 1929. A crise do subprime, iniciada em 2007 mas com efeitos devastadores a partir de 2008, e até hoje não resolvida, e a crise climática causada pelo sistema de acumulação capitalista nos mostram o quanto mudanças são necessárias.

Mas como é mais fácil a extinção da humanidade do que nossas elites admitirem que há algo errado e que os sistemas econômicos, de produção e acumulação devem mudar, soluções simplistas e enganosas surgem para atrair a atenção e vender esperanças para a população, cada dia mais desalentada e em busca de uma saída do buraco.

Com isso surgem os espertalhões vendedores de fumaça. Religiões, coachs, bets, políticos que pregam a perda de direitos em nome de mais ganhos, endurecimento contra a “bandidagem” (desde que seja pobre, e preferencialmente preta), uma volta a um passado idílico e que nunca existiu, entre outras cascatas. Enfim, todas soluções simples, prometendo uma sociedade perfeita, com enriquecimento rápido e o mínimo de esforço. Algo que seduz gerações mais novas, e algumas mais velhas, que vivem o desespero e a desesperança do capitalismo em sua forma mais triste, global e ilusória.

Noção de sucesso financeiro dissociada do empreendedorismo desacredita sistema

Essa nova forma de capitalismo surge desse sistema onde a inovação é substituída pela figura que aparenta sucesso, o empreendedorismo é substituído pela picaretagem, criar algo novo é menos importante do que ostentar marcas e breguices mil, desde que sejam caras. Muito caras. Em uma sociedade da imagem e da atenção, figuras como os Marçais e Deolanes reinam absolutos. Ninguém sabe dizer exatamente o que eles fazem, mas mesmo assim vendem sucesso e uma ideia que isso está acessível a todos, que basta querer, rezar, amar e jogar no tigrinho para conseguir.

Não que isso seja algo novo. Pessoas com mais experiência como eu (eufemismo para velhice), lembram que em algum momento dos anos 1990 seu pai ou sua mãe foram abordados por alguém com promessas de riquezas através da AmWay e outras pirâmides financeiras. Esse estelionato comercial se vendia como um clube de serviços, e prometia mais do que ganhos, mas uma comunidade que havia descoberto a “grande verdade”, onde todos ganham vivendo à margem do mercado, da economia e da política tradicional, que existia apenas para que você perdesse dinheiro.

O papo era evangelizador, e precisava de pessoas que realmente acreditassem naquilo. Qualquer semelhança com os Q-Anons, seguidores de coachs, de igrejas e pseudo-ciências, que hoje se confundem em um único sistema mental: de que você é um escolhido e que pertence a um grupo muito pequeno e detentor da verdade – não é mera coincidência.

Em um mundo cada dia mais virtual e com pessoas cada vez mais oprimidas, endividadas e em busca de uma escapada rápida para seus problemas pessoais e financeiros, vivendo dentro de padrões gameficados e infantilizados, não é difícil entender o sucesso das loterias online, por exemplo. Mas isso também explica o sucesso desses influenciadores, que não vende produtos e serviços, mas um “estilo de vida”, o que é muito poderoso nesse ambiente onde o espaço público vem sendo devorado cada dia mais pelo espírito de comunidade, onde ao invés de construir o seu próprio caminho, você paga uma assinatura, uma mensalidade, para que alguém diga a vida que você deve viver para ser feliz.

No cenário brasileiro, trabalho duro nunca rendeu prestígio. Ao contrário.

Chega a parecer irônico, pois o sucesso individual depende de um sistema pronto, mágico, muitas vezes binário. Basicamente, uma catarse coletiva onde o símbolo de adoração é o dinheiro, pois mesmo que seu objetivo seja largar tudo e viver uma vida simples, meditando nas montanhas do Tibet, você precisa conquistar alguns milhões. E para isso vale tudo! Como profetizou o rapper 50 Cent em seu disco de 2003: “Get Rich or Die Tryin (Fique rico ou morra tentando)”.

Lembra que iniciei esse texto citando a fé que Adam Smith tinha nos burgueses, que nada mais eram que os empresários, dos séculos XVI e XVII? Pois, a explicação sobre os dias atuais pode estar na transformação daquilo que consideramos “o vencedor”. Se antes tínhamos uma imagem que o empresário era alguém com uma inteligência superior, capaz de arriscar o seu capital em nome de uma ideia, de um produto, de um serviço, hoje a regra é clara, ou você é “malandro” ou você é “mané”, parafraseando a música que ficou famosa na voz de Bezerra da Silva.

A partir daí podemos chegar à triste conclusão que estamos deixando para trás a era do conhecimento, pós Idade Média (Século V – Século XV), para uma volta ao solipsismo, onde passamos a viver apenas o espaço presente a partir das nossas sensações e crenças. E se a ansiedade sobre o tempo nos faz falar menos sobre o futuro, a vida nos ensina que essa idealização de sucesso é apenas um rascunho, um ensaio para um show do qual a maioria nunca vai participar no sistema capitalista. E como esse idealismo e desespero chegaram à política institucional, só podemos pedir que Deus, ou alguém, tenha piedade desta Nação.

A cadeirada em Pablo Marçal: democracia mergulha ao fundo do poço na esperança de um recomeço

ADRIANO BARCELOS

Quem decidiu dormir cedo na noite de domingo talvez tenha perdido o momento já mais célebre das eleições municipais de 2024: sim, para orgulho de ninguém, mas para talvez repor algo em seu lugar (pela via mais baixa), uma cadeirada, uma agressão de José Luiz Datena (PSDB) a Pablo Marçal (PRTB) durante o debate dos candidatos a prefeito de São Paulo na TV Cultura tem potencial de mudar os destinos da maior cidade da América do Sul.

Para quem não viu a cena ou não está familiarizado com as eleições de São Paulo em 2024, Marçal, um coach suspeito de envolvimento com um grupo criminoso e alvo de investigação por desviar dinheiro de bancos, encarna o outsider boquirroto. Confundindo o eleitor que valoriza autenticidade, ele ofende adversários e achincalha o próprio jogo democrático – o que não faz sentido algum, pois seria o equivalente a fazer uma entrevista de emprego e enxovalhar a empresa e o processo seletivo todo o tempo. E ainda assim ser o escolhido.

No outro lado do corner, ou da cadeira, o apresentador de programas policialescos Datena. Reconhecido por sempre desistir de suas candidaturas antes das eleições, desta vez ele optou por fazer diferente e ir até o final – ainda que com uma campanha reconhecidamente apática e carente de energia, o que torna ainda mais irônico o episódio da cadeirada.

Desinteresse do eleitor pela política abre flanco para falso entretenimento

Fato é que São Paulo já perdeu. A entrada de Marçal e sua surpreendente ascensão deixa claro que os problemas da cidade – e são muitos – não estão no radar dos candidatos e, vamos falar sinceramente, nem do eleitor. Narcotizado pelas redes sociais, os votantes do começo de outubro estão mais interessados em entretenimento, venha de onde vier.

E se a inesperada diversão vier da política, o que fazer? Pois bem, como se São Paulo fosse uma imensa quadra de futebol de sabão, Marçal montou sua equipe de cortes de internet e, lacrada após lacrada, foi arregimentando sua trupe. Não é do jogo, mas é o jogo.

Em “Como as democracias morrem”, os escritores americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt mencionam que, historicamente, as democracias produzem barreiras naturais que as protegem de personagens como Marçal. Uma delas, talvez a mais forte, seria os partidos políticos. Mas a profusão de legendas no Brasil deixa claro que não convém esperar demais da sigla do famoso patrono do aerotrem.

A própria indicação de Marçal foi contestada dentro do PRTB, o que não significa muita coisa. A evolução de personagens nesse estilo evidencia que a democracia não possui anticorpos contra aqueles que a corroem por dentro. Os candidatos antissistema e que dele se utilizam ainda vão causar muito estrago para as democracias representativas – se é que elas existirão num horizonte mediano de tempo.

Cadeirada trouxe alívio para Bolsonaro e Lula

Em uma análise mais profunda, direita e esquerda respiram aliviadas com a cadeirada. O ex-presidente Jair Bolsonaro teme Marçal. Afinal, o coach é um tipo político com o qual ele ainda não aprendeu a lidar. É uma ameaça velada, afinal ficou provado na parada da extrema-direita no 7 de setembro, na avenida Paulista, que Marçal já é uma espécie de câncer que consome por dentro o seu próprio eleitorado. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, visto como relativamente deslocado do atual jogo político das redes sociais, igualmente não teria condições de combater a horda de lacradas a serviço de Marçal e sua fábrica de cortes de internet na velocidade da luz. Melhor antagonizar com Bolsonaro.

E a eleição de São Paulo, como fica? Bom, chega a ser irônico que Marçal tenha sido encurralado de acordo com as regras de seu próprio jogo. Mais ironicamente ainda, logo ele, suspeito de participação em uma quadrilha que lesa idosos, acabou atingido por um idoso.

Por mais que seja constrangedor estabelecer um paralelo pela lógica da quinta série, a narrativa vencedora do episódio da cadeirada é a de que o mentor de todo o bullying da escola recebeu na saída a surra que merece. E quanto a isso não há argumentos.

Marçal, que dificilmente erra, desta vez errou: a estratégia de se vitimizar diante de uma cadeirada de um senhor de 67 anos é patética e deprimente – e já está sendo devidamente punida no tribunal das redes sociais.

Como acontece sempre com Russomano, talvez Marçal já tivesse começado a descida

Agências de análise de tráfego já haviam detectado uma queda no interesse por Marçal na internet antes da cadeirada. Como bem menciona o jornalista Euclides Bitelo, que também já colaborou neste espaço de debates do Stump Análise, o paulistano é ávido por novidade. Mas, em algum momento, ele iria passar pelo efeito paleta mexicana: ao fim e ao cabo, era apenas um picolé custando mais caro do que valia. Pesquisas de opinião da semana passada foram inconclusivas. De cenários em que Marçal está em primeiro a outros, em que figura até em terceiro, não é possível saber de fato o atual estado de humores do paulistano. Mas, se vale a impressão das ruas, Marçal parece ter começado a desinflar. E o episódio da cadeirada tende a reforçar o esvaziamento.

A democracia brasileira, pobre coitada, segue trôpega e cheia de ameaças. Ela, porém, acordou sorridente a segunda-feira. Deve ter sorrido ao amanhecer, sob as cobertas, com seu rosto de efígie, e pensado: “nossa, onde viemos parar, uma cadeirada… hihihi”. Mas, é o que temos para o momento. Enquanto não chegam os tais dias melhores.

Naufrágio político de Silvio Almeida joga progressistas na depressão, desgasta Lula e interfere em 2026

ADRIANO BARCELOS

A esquerda brasileira vive dias de ressaca. Sem temer eventuais exageros, talvez um portal histórico iniciado na luta pela anistia, no movimento “Diretas Já”, dos tempos dos “cabelos pretos, bandeiras vermelhas”, como na Barafunda de Chico Buarque, tenha se fechado diante de nossos olhos na sexta-feira – véspera do feriado da Independência. Como em um evento trágico qualquer que mereça letras garrafais em jornais, um misto de perplexidade, negação e incredulidade envolveu a demissão do Silvio Almeida do Ministério dos Direitos Humanos.

A esquerda mais profunda e histórica, que empunhou as tais bandeiras vermelhas desde tempos em que Lula ainda era apenas uma utopia, já se acostumou com as diatribes do poder. Engolir uma foto com Paulo Maluf no café da manhã, uma parceria com Geddel Vieira Lima no almoço – quem sabe um afago no Juscelino Filho no jantar? Enfim, “o jogo do poder” ou a “necessidade de manter a coalizão”, todos esses fatores foram, mais ou menos, normalizados na esquerda neste século.

Episódio expõe sentimento de traição e põe indagação sobre futuro da esquerda

Houve, ou havia, porém, algo como uma “reserva ideológica”. Certos quadros políticos, mesmo que em ministérios de orçamentos minúsculos, sempre deram ao lado vermelho uma impressão de que todo esforço vale a pena se, ao menos, “alguma semente for plantada”.

Da tal plantação, a semente mais vicejante talvez tenha sido Silvio Almeida. Homem de clareza de ideias absurda e retórica impecável, Almeida é uma liderança rara em um país racista. Negro, combina representatividade com reconhecida competência acadêmica, em uma altivez que fazia muitos sonharem em vê-lo no Supremo Tribunal Federal (STF) – ou até, por quê não, no Palácio do Planalto.

Na sexta-feira, diante de um país pasmado, Silvio Almeida deixou de respirar politicamente. No emaranhado de suspeitas frágeis que a imprensa cavoucava, notas oficiais evasivas mas reiteradas, foi-se formando ao passar das horas a convicção de que sim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demitiria o ministro por suspeitas de abuso sexual em série contra diversas mulheres.

Proatividade de Lula no caso indica que decisão não foi tomada de afogadilho

Não precisa ser muito inteligente para admitir que seria no mínimo improvável que todas tivessem se combinado para mentir, até porque foram surgindo relatos de locais diferentes, em momentos diversos e que indicam a suspeita de que o intelectual negro mais reluzente produzido no país em muitos anos era um abusador – ressalvada, claro, a presunção de inocência e o devido processo legal que poderá vir a absolvê-lo: embora o rito da política seja, nesses casos, bastante mais célere e severo que o da Justiça.

Em Brasília, há a convicção de que Lula sabia, e sabe, muito mais sobre o caso de Silvio Almeida do que a grande mídia supõe. A agilidade com que Lula se desfez de Almeida, se comparado ao “eterno benefício da dúvida” que ele concede ao próprio Juscelino Filho, lembrado alguns parágrafos atrás, deixa claro que o Planalto dispõe das certezas necessárias.

Os perfis de esquerda nas redes sociais se dividiram desde então entre lágrimas, lamentos, frustração e relatos genéricos de que “parece que morreu alguém da família”, “voltamos no tempo” ou que “estão todos de luto”. E estão mesmo. Almeida era um raro exemplo de pessoa que carrega consigo uma ideia. Seu discurso de posse em que listava grupos sociais discriminados e os enumerava com a seguinte frase: “vocês existem, vocês são importantes para nós”, entrou instantaneamente no panteão da História como um dos mais tocantes textos já proferidos em Brasília.

Extrema-direita obteve boa notícia de ministério onde expectativa era de brilho do PT

O peso da morte política de Almeida equivale às expectativas da esquerda depositadas sobre ele. Muitos lembraram que a suspensão do Twitter (X) foi uma boa notícia por esses dias, afinal o agora ex-ministro contava com um ódio de parte dos bolsonaristas proporcional à admiração do campo progressista e isso não passaria em branco na rede, como não passou em todos os demais espaços da internet.

Fato é que o episódio de Almeida provoca desalento na esquerda, talvez em um nível que o próprio Lula ainda não saiba mensurar. Lula fez o que precisava ser feito diante das contingências políticas, mas a eleição de 2026 será dura e a mobilização ideológica da esquerda como força eleitoral é algo que não se pode desprezar. A saída do ministro, seja como for, enfraquece a mobilização e oferece a impressão de que talvez não valha a pena acreditar em ninguém.

Movimento negro pode minimizar Silvio Almeida, mas ele rompeu bolha intransponível

A primeira reação do movimento negro foi dar de ombros para Almeida, mas construir um novo prócer com essa embocadura é tarefa para 20, talvez 30 anos. Para afastar riscos de um novo escândalo sexual, muito provavelmente teremos uma nova ministra – no momento em que traço estas linhas, fala-se em Nilma Lino Gomes e Macaé Evaristo.

O campo progressista está com gosto de cabo de guarda-chuva na boca, o ex-presidente Jair Bolsonaro tripudia (desde a quinta-feira, tem se referido a Almeida como “taradão da Esplanada”). O dano psicológico e suas consequências eleitorais na esquerda ainda precisarão ser calculados.

Mas eles existem. E são importantes.

Festa estranha, gente esquisita: Elon Musk, STF e Bolsonaro desconfortável marcam Dia da Independência

ADRIANO BARCELOS

Se o Bolsonarismo tivesse uma data anual para celebrar sua condição, essa data seria o Dia da Independência, 7 de Setembro. Foi nessa data que bolsonaristas encheram a Esplanada de tratores em 2022 para acossar o Supremo Tribunal Federal (STF); neste mesmo dia, diante de um atônito presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, Jair Bolsonaro puxava para si um coro pouco decoroso – imbroxável, imbroxável – e voava para o Rio de Janeiro para comemorar o bi-centenário da Independência em um ato-comício sob a bruma do mar. Por conta dessa fatídica jornada, Bolsonaro deixaria a autodeclarada posição de imbroxável por outra que o acompanha até hoje: inelegível.

Voz de Bolsonaro perde força na extrema-direita

No próximo sábado, será o segundo Dia da Independência sem Bolsonaro presidente. E o cenário que se apresenta para a extrema-direita, na qual o bolsonarismo tem morada e assento na tribuna de honra, é bastante diverso do de até dois anos atrás. O tamanho dessa variação será visto no dia 7, mas de antemão se pode deduzir uma série de diferenças.

A extrema-direita segue numerosa. O inimigo, até por falta de criatividade, segue sendo o STF – em especial Alexandre de Moraes. O bolsonarismo já marcou um protesto para o Dia da Independência e nada indica que terá grandes proporções. O que fica claro é que, haja o que houver, Bolsonaro perde ascendência sobre seu rebanho. Da ousada demanda inicial por impeachment de Moraes no STF, mote inicial dos protestos e apoiada por Bolsonaro e seus filhos, o que se viu foi um ex-presidente errático. Dúbio a ponto de não estar exatamente claro se ele vai ou não vai nas tais mobilizações.

O 7 de setembro dos bolsonaristas é visto pela família como um fio desencapado. A chamada para os protestos era algo como “vai pegar fogo”, 10 dias depois de o interior de São Paulo arder em queimadas coordenadas, iniciadas todas no espaço de uma hora. Se foi uma coincidência, ou um “dog whistle”, ainda é cedo para dizer e difícil de assegurar. Mas fato é que o Dia da Independência já chega mais indigesto que animador.

Disputa pelo comando: Marçal talvez não queira, Bolsonaro talvez não possa

Às vésperas do 7 de setembro de 2024, Bolsonaro está desconfortável. Ele, que reconhecidamente comanda bem seu eleitorado, anda errando a mão. O episódio Pablo Marçal é revelador: de uma tentativa de esmagar o novo entrante da extrema-direita a um recuo constrangedor, o ex-presidente e seu clã dão mostras de que a Corte ganhou um novo personagem e que, pela primeira vez, o rei pode ser desbancado e pela indiferença de sua própria gente.

A disparada de Marçal nas pesquisas demonstra que o bolsonarismo sem Bolsonaro é uma possibilidade tangível, sem Michele, sem Flávio, sem Tarcisio. E pior, sem a necessidade da bênção do patriarca: o coach caiu no gosto do eleitorado de extrema-direita à revelia de Bolsonaro e resistir a isso poderia ser o fim de seu poder de influência. Cálculo político feito, arremetida efetuada. Fatura paga.

O zumbido infernal no cérebro da extrema-direita brasileira se demonstra na falta de rumos e de comando. Parece lógico que Marçal não quer ser Bolsonaro e talvez não possa sê-lo; parece mais lógico ainda que Bolsonaro quer seguir comandando seu quinhão do eleitorado, mas talvez não consiga manter a energia na oposição, inelegível e pressionado pela Justiça.

Presença de Elon Musk na política brasileira é bizarra

Nesse cenário ruidoso, resta um personagem tão inusitado quanto descabido: Elon Musk. Como quem comanda o mundo a partir de uma cápsula criogênica, ele achou uma boa ideia jogar uma das redes sociais mais relevantes do mundo em uma aventura jurídica no Brasil. Moraes pagou para ver e retirou o Twitter (X) do ar baseado em artigos do Código Civil que qualquer bixo de Direito é capaz de apontar. Bingo: a Primeira Turma do STF referendou a decisão e Elon Musk só poderia se queixar no próprio Twitter – mas o problema é que ninguém conseguirá ver. Voilà.

Por mais que o bilionário impulsione os protestos, é pouco provável que a carência dos usuários da rede social os faça ir às ruas contra Moraes. O que fica é um “Xandão” fortalecido, que derrubou a rede social no país – e o sol nasceu no dia seguinte, como era de se esperar.

Desorientada e fragilizada, a base da extrema-direita começa a mostrar fissuras. O governo consegue bons resultados na economia e o entusiasmo no PIB é uma ducha de água fria nos movimentos políticos que se alimentam da insatisfação. Mudanças esparsas no universo evangélico e vontade de surfar nos resultados de Lula tornam o monolítico religioso algo mais poroso, para tristeza de Bolsonaro e família.

Nas eleições municipais de outubro, a extrema-direita e os partidos que cercam o bolsonarismo têm tudo para conseguir bons números, mas não se enganem: o Centrão vai tomar de volta um bom pedaço daquilo que é seu. Mas isso é assunto para uma outra conversa.

Empresas estrangeiras, seja de qual for o porte, devem respeitar a legislação brasileira. E isso é uma obviedade

No cenário globalizado atual, o Brasil se apresenta como um mercado promissor para empresas estrangeiras, oferecendo uma economia diversificada e uma população numerosa. Entretanto, a atração de novos investimentos internacionais depende, em grande medida, da capacidade dessas empresas de se alinharem às normas e regulações estabelecidas pelo Estado brasileiro. Respeitar a legislação local não é apenas uma obrigação legal, mas também uma demonstração de compromisso com o país e com a sociedade brasileira.

A legislação brasileira é complexa e extensa, abrangendo desde questões tributárias até normas ambientais e trabalhistas. Ignorar ou subestimar essas regras pode resultar em severas consequências legais, incluindo multas, sanções e, em casos extremos, a proibição de operar no território nacional. Além disso, o não cumprimento das leis pode manchar a reputação da empresa, comprometendo sua relação com consumidores, fornecedores e parceiros locais. Portanto, é essencial que as empresas estrangeiras invistam em assessoria jurídica local, capacitando suas operações para navegar pelas particularidades do sistema regulatório brasileiro.

Ser regido por leis é um imperativo das sociedades modernas. Fora disso, é as trevas

Ademais, é vital que as empresas estrangeiras mantenham um olhar atento ao processo legislativo no Congresso Nacional. O Brasil, como uma democracia representativa, passa por constantes mudanças legais e regulatórias, especialmente em setores estratégicos como o de tecnologia, energia e saúde. Essas mudanças podem impactar diretamente a operação e a estratégia de empresas internacionais no país. Acompanhar o processo decisório do Congresso, entender as implicações das novas legislações e, quando apropriado, participar do debate público por meio de entidades representativas, são ações que podem garantir uma maior previsibilidade e segurança jurídica para os investimentos estrangeiros.

É importante ressaltar que o respeito à legislação e a atenção ao processo legislativo não são apenas responsabilidades legais, mas também uma questão de ética empresarial. Empresas que atuam de maneira transparente e em conformidade com as leis locais contribuem para o fortalecimento das instituições brasileiras e para o desenvolvimento sustentável do país. Essa postura não apenas facilita a construção de uma imagem positiva perante a opinião pública, mas também pode gerar vantagens competitivas em um mercado cada vez mais consciente e exigente.

Empresas despreocupadas com reputação e ética cairão por si, mais cedo ou mais tarde

Em suma, o sucesso de empresas estrangeiras no Brasil está intimamente ligado à sua capacidade de respeitar a legislação nacional e de se adaptar às mudanças regulatórias. Ao fazer isso, elas não apenas evitam problemas legais e reputacionais, mas também demonstram um compromisso genuíno com o país, seus valores e seu futuro. Assim, investir em conhecimento e conformidade legal não é apenas uma obrigação, mas uma estratégia fundamental para a consolidação de negócios sustentáveis e bem-sucedidos no Brasil.

Se o cenário regulatório é incômodo ou injusto, é na disputa pelo espaço decisório que devem ocorrer o embate. Para auxiliar nesse ponto, existem as agências de Relações Insitucionais e Governamentais. Recorra aos profissionais, faça o certo.

Life Coach, Entertainer, Cheater: who is Pablo Marçal, the unsettling newcomer in the election of South America’s largest city

EUCLIDES BITELO

How anti-politics and the image of being anti-establishment, embodied by figures like Bolsonaro, Milei, Trump, among others, represent a danger to institutional politics and democracy? Pablo Marçal is the new face in this album, but he doesn’t seem to be just another duplicate.

Institutional politics is boring, dull, with people talking and being rebutted without apparently getting anywhere. And often, nothing really is accomplished, just a mere “Mise en Scène” of something that has already been decided in backrooms or, as the late Maria da Conceição Tavares once said in a video that went viral after her death, during “lunches” (almóçoooss) of the social and political classes that actually make decisions. And generally, it’s good that things work this way. The internet, especially social media, has brought to the stage characters like Bolsonaro, Milei, and Trump, who take advantage of this anti-political and anti-system demand for electoral gains. The proof that this works is that all three were elected presidents of Brazil, Argentina, and the United States.

Politics as World Wrestling Entertainment: truth is just a minor detail

Well, in these municipal elections, São Paulo, the largest city in the country and Latin America, Brazil’s third-largest GDP (losing only to the state of São Paulo and to Brazil itself), which prides itself on its economy and being one of the country’s major decision-making centers, has given birth to a new kind of political animal: Pablo Marçal. This mix of messianic life coach with religious pastor, considered a genius by some who pay fortunes to attend his self-help courses, or just a mere scammer, charlatan, and crook by many, has “shaken things up” in the São Paulo election. His stance resembles that of a loose cannon, attacking opponents without evidence, not presenting viable proposals for the city he intends to govern, and making it clear that he doesn’t care about that when he says he will answer debate questions directly on his social media, in a kind of childish and narcissistic pride in his millionaire status, paying others to do his tasks. Not to mention the clear message of arrogance, despite his own ignorance.

But the “loose cannon” posture is just a façade. He knows the audience he wants to reach, and his opponents are not the other politicians, whom he sees as stepping stones for his gags or “mic drop” moments that he will use in clips on his social networks. He sees himself as Moe in the Three Stooges, in front of several Larries and Curlies, as his true antagonist is institutional politics as a whole, a place where he is viewed unfavorably and where he doesn’t fit in. As a kind of far-right 2.0, he might see himself much more as a Bukele, the president of El Salvador, both in his discourse and aesthetically, wearing caps and well-tailored clothes from famous brands, which often verge on excess, ostentation, and bad taste that so well represents his followers.

Serial scams do not sensitize the anti-voter of anti-politics

The question remains: how can a character like this go so far in institutional politics, nearing 20% of voting intentions in Brazil’s largest capital? His past is neither unblemished nor brilliant. Marçal’s “rap sheet” is full of accusations of fraud, financial pyramids, and many other legal issues. For example, he has been convicted of participating in a gang that carried out bank scams through electronic means. Yes, those calls that grandpas and grandmas receive with threats of cutting off their pensions, or that email with the famous “click here” that only serves to steal their data and later their money from bank accounts; the influencer has already been sentenced for this crime, and only escaped prison because the statute of limitations expired. In another case, now with the mask of a millionaire influencer, he led a group to Pico dos Marins, in the interior of São Paulo, where he and his followers nearly died and had to be rescued by firefighters in the middle of the jungle.

I venture a theory: if in 2018 Bolsonaro thrashed his opponents via social media and won the election because of it, Marçal doubles down and takes social media to all spheres of politics, whether in debates, interviews, or street campaigns. The bet seems obvious, as more and more discussions have moved from real life to virtual spaces, so the voter is already accustomed to this model. What is shocking is to see that the rest of the political landscape has been caught off guard once again. Even the Bolsonaro clan, after some conflicting statements, took a stand against the coach. From now on, we will see if, without this support, he will fade away or present himself as a viable option to voters, growing and reaching the second round with a chance of victory.

Current barrier system against absurdities needs rethinking

In the case of Marçal, and those who will undoubtedly see him as a political model from now on, the Electoral Justice, the media outlets that organize debates and cover politics, in short, all agents involved in institutional politics, will have to organize and create antibodies to stop this type of character. It is always interesting to note that he, like the rest of the far-right, does not enter the game to win within democratic rules; they are here to destroy democracy from within.

We still don’t know where the Marçal phenomenon might go, whether he will be disqualified and then fade away (which in São Paulo is known as “russomanização,” referring to Celso Russomanno, who always performed well in early polls and ended up finishing among the last), or if he will grow and threaten Ricardo Nunes and Guilherme Boulos, seen as the main contenders for the Palácio Matarazzo.

But the important thing is that the hyena has already inserted itself among the pack of wolves and the flock of sheep, and no matter what happens, he is already the big winner of this election. His presence and existence in this space are already an affront to democracy. And maybe they still don’t understand this, and I’m not just talking about the voters.