
STUMP ANÁLISE – 5 DE SETEMBRO DE 2022
ADRIANO BARCELOS
Há pelo menos um ano e meio, a pesquisa eleitoral para presidente da República é rigorosamente a mesma: Lula tem entre 43% e 48% da preferência; Bolsonaro, entre 29% e 35%. Há variações e institutos (mais ou menos sérios) até apresentam números que fogem dessas duas bandas de variação. Mas, fato é que os resultados não mudam significativamente. Nesta reta final, com campanha nas ruas, os percentuais teimam em seguir semelhantes. Por que isso acontece?
A campanha eleitoral de 2022 para presidente foi a mais precoce da História. Pode-se dizer sem medo de errar que Bolsonaro está em campanha há pelo menos dois anos e meio. Em abril de 2020, ele já discursava diante do “Forte Apache”, o Quartel General do Exército, em Brasília. Na ocasião, o presidente, pela primeira vez, participava do que se convencionou chamar de “atos antidemocráticos”. O séquito era pequeno, mas o recado já estava dado e, aliás, segue o mesmo até hoje. Por ser conhecido de todos, não é o caso de reeditá-lo.
Meses antes, em novembro de 2019, outro fato relevante acontecia, desta vez em Curitiba: Lula deixava a prisão após 580 dias. Com um discurso forte, ele criticava o governo Bolsonaro e já indicava o tom que adotaria em sua candidatura.
Desde 2020 o país se prepara para a batalha final entre Lula e Bolsonaro. Não é exagero dizer que boa parte dos brasileiros já se imaginam votando em um ou em outro. Em uma espécie de choque de titãs, em uma “eleição do fim do mundo”, é muito difícil não tomar partido. O poder magnético de Lula e Bolsonaro sugou a energia política do país, a ponto de “a busca pela terceira via” ter virado piada de boteco. A terceira via não foi possível e nem seria, visto que o Brasil tinha contas a acertar consigo mesmo. Se é bom ou mau para o país, fica difícil dizer. Mas, em termos de liderança, não há nada (e nem ninguém) para além de Lula e Bolsonaro.
Bolsonaro faz um governo relativamente pobre de ideias. E o faz de caso pensado: a ideia do governo Bolsonaro é Bolsonaro. Não há programa, projeto, ministro ou medida que se sobressaia. A agenda nacional foi ditada pelo próprio presidente, palavra por palavra. Invariavelmente ele ditou suas vontades no teatralizado encontro diário com seus seguidores no cercado montado diante do Palácio da Alvorada.
PRESIDENTE MONOPOLIZOU A AGENDA NACIONAL, PARA O BEM E PARA O MAL. TODOS JÁ TÊM JULGAMENTO SOBRE GOVERNO
Deu certo. Muito certo. O Brasil foi um país onde não se falou em novos cantores, novos livros, novos filmes, novos modelos de carro: só se falou em Bolsonaro. Turbinado pelo algoritmo das redes, a turma “do contra” ajudou o país a só falar de Bolsonaro FALANDO MAL de Bolsonaro. Ao fim e ao cabo, ele roubou as atenções de quem o ama e de quem o odeia. Gol.
Já Lula foi o antagonista perfeito. De começo, criou-se uma impressão de que os erros estratégicos de Bolsonaro eram todos provocados por Lula: o petista criticava algo no governo, a equipe vinha e dava uma resposta – muitas vezes resolvendo problemas levantados pelo adversário. O magnetismo do ex-presidente tirou Bolsonaro da zona de conforto discursiva. Do dia pra noite, não havia apenas um ilusionista no picadeiro. Com um governo mal avaliado e tendo perdido a carga positiva do combate à corrupção (com o ex-juiz Sérgio Moro defenestrado, uma parte da base de sustentação na elite e na opinião pública se perdera), as pesquisas refletiriam um estado de coisas imutável: Lula se consolidaria como líder absoluto.
A liderança do ex-presidente já passou por todos os testes de stress. E foram vários: primeiro, o pré-campanha do PT foi muito abaixo das expectativas. Afora a jogada surpreendente de trazer o ex-ícone-tucano Geraldo Alckmin para vice, pelo PSB, a desejada Frente Democrática em torno do ex-presidente foi frustrante. Os aliados de Lula em 2022 são os de sempre – e olhem que nem o PDT veio. Partidos de centro? Nem pensar. O palanque ficou vermelho demais.
O desafio seguinte é bastante óbvio: Bolsonaro usou a caneta BIC para queimar o óleo da máquina pública e tomar o impulso que desejava. Desde que a reeleição foi instituída, nunca um presidente perdeu a reeleição para a oposição. Bolsonaro botou o time em campo e subiu sobre os ombros dos partidos de Centro para gerar as oportunidades de que precisa para ganhar mais 4 anos combatendo a fome (Auxílio Emergencial turbinado) e mexendo na tributação sobre o combustível — tudo para baixar a gasolina e amansar a classe média.
Contra isso, Lula não podia fazer nada a não ser torcer para que o eleitorado entendesse que a magia tem data para acabar. E deu certo, até para além do esperado. Colou a ponto de fazer com que a sensível melhora nos números da economia, com alta relativa do PIB bastante interessante, não impactasse nas pesquisas.
CAMPANHA DE LULA É TECNICAMENTE PROBLEMÁTICA: LIDERANÇA VEM APESAR DE POUCO DIZER SOBRE O QUE VAI FAZER
O terceiro anteparo a desafiar a resiliência das intenções de voto de Lula foi a própria campanha petista. Tecnicamente, em termos de marketing político, Lula não vai bem. Seriam dezenas de deficiências, mas vou me ater a apenas uma: os brasileiros com menos de 28 anos nunca votaram nele. Significa que adianta pouco ou quase nada dizer que nos próximos quatro anos o mel jorrará das montanhas “como em 2003, 2004…”. Foram oito anos de grande aprovação, os livros já contam, mas e daí?
O eleitor mais jovem quer solução para os problemas (muitos dos quais sequer existiam em 2002), ou pelo menos uma ideia do que vai acontecer, especialmente na economia. Lula disse no Jornal Nacional que “se ele disser antes o que vai fazer, na hora de fazer não conseguirá”… Ora, um cheque em branco a essa altura talvez seja pedir pro coelho do mágico voltar pra cartola em vez de sair…
Se Lula não se ajuda e ainda assim amanhece a cada dia mais favorito, parte da culpa é de Bolsonaro, que não faz muito melhor. O primeiro e óbvio problema é que não há na História do marketing político registro de um governante reeleito com rejeição superior a 50%. Costuma-se, antes de campanha, traçar a partir da rejeição do candidato e de seu governo um viés de como será a eleição: se é uma eleição “para a situação” ou “para a oposição”. A de 2022 é clara e inequivocamente uma eleição para a oposição. E assim seria fosse Lula ou fosse outro o adversário do presidente.
Bolsonaro luta contra um rochedo: o número de pessoas que o desaprovam é um impeditivo. Não parece haver nada que possa ser feito a modificar a situação. Como se fosse pouco, o presidente é errático. Parte do tempo ele parece se empenhar para vencer a eleição — outra parte ele se mostra concentrado no que fará para convencer o país de que não perdeu (caso perca, evidentemente). Entre um interesse e outro, não há conciliação. Se insistir em ficar mais perto do segundo, se distanciará do primeiro.
No mundo real, das pessoas de verdade, o número de indecisos nas pesquisas é incrivelmente baixo. E não poderia ser de outra maneira. Afinal, se o negócio é decidir entre Lula e Bolsonaro, só pode não ter opinião formada quem viveu em outro planeta os últimos quatro anos. Não há campanha, não há entrevista, não há debate, não há nada que tenha força para mudar esse quadro.
O eleitor, aborrecido, espera o 2 de outubro. Os parcos indecisos têm um papel importante, o de decidir se haverá segundo turno. Mais 28 dias podem mudar o quadro? Talvez não. No espetáculo frenético da eleição do fim do mundo, até as músicas do bis já parecem estar ensaiadas. Outubro é logo ali.
O Stump Análise é um instrumento técnico cujo objetivo é projetar, antecipar e prever o que acontecerá, de acordo com convicções resultantes de nossa expertise. Analisamos temas da Agenda Nacional e não necessariamente nossas predições representam o que gostaríamos que acontecesse e tampouco torcemos para que o projeto político de A ou B prospere ou fracasse. Não julgue nossas previsões sob qualquer prisma político – mas fique à vontade para nos cobrar se não estiverem corretas





